A Colina Escarlate

A Colina Escarlate é um filme que sempre se vendeu como “romance gótico”, não como terror ou um horror de fato, mas não foi o marketing que atrapalhou a obra, e sim a contrariedade. Uma dica: nunca, jamais, contrarie um contador de histórias, ou ele vai se voltar contra a própria história.

O diretor escreveu A Colina Escarlate há mais de oito anos, baseando-se em experiências sobrenaturais contadas pela mãe. Depois de quatro meses de filmagens em Toronto, ele ainda passou quase um ano lapidando o projeto. Mas rolaram boatos nos bastidores de que, se ele quisesse realizar esse filme, precisaria colocar boas doses de romance no miolo. A contragosto, e pra não ver mais um projeto afundando (repare que desde O Hobbit, passando pelo inalcançável nas Montanhas da Loucura, pouco do que o diretor tentou conseguiu sair do papel), ele tocou a empreitada e recheou a trama de pitadas ácidas e indiretas de produção, por exemplo, de quando Edith, a protagonista, afirma que não vai morrer solteira como Jane Austen, e que preferiria morrer viúva como Mary Shalley. A frase, um ótimo soco no estômago, parecia indicar o caminho original que Del Toro pretendia seguir, o do fantástico (onde se encontra o horror), e não o de romances melosos da escritora inglesa.

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Mas eis que é justamente o contrário o caminho que o filme prefere seguir, para a surpresa e decepção de todos — com exceção do público de novelas da Globo. O primeiro ato é chatérrimo, com arrastados 40 minutos, onde o desespero bate quando você nota que a trama não consegue avançar. Esse começo é sim importante para estabelecer alguns elementos do filme como um todo, mas um diretor empolgado e mais afiado teria condensado tudo belamente em 15 minutos funcionais. Depois, já na Colina Escarlate do título, o diretor primeiro se deslumbra com a mansão (e de fato, a plástica da obra é a única coisa realmente boa do filme), e então começa a colar a câmera no rosto dos fantasmas, saídos de MAMA (que ele produziu). Repare, as criaturas são as mesmas, magrelas e de rosto feioso, todas fumacentas tal qual a ‘mama’, com o acréscimo da vermelhidão que cobre boa parte desse cenário. Em nenhum momento Del Toro se preocupa em estabelecer uma cena de terror, em criar uma atmosfera tensa que antecipasse uma aparição horrenda. Ele simplesmente vai e dá zoom, tornando o que poderia ser um mérito em lugar-comum e fora de foco, já que a vilania reside nos vivos, afinal.

O diretor gravou a trilha sonora 12 vezes, remixou o som mais três e corrigiu as cores do longa por 20 vezes. Como eu disse, visualmente o filme impressiona, mas a história não sustenta a estética. Já o som tem mais eficiência, e os efeitos sonoros, no geral, são muito competentes, envolvendo a gente numa atmosfera que logo é arruinada pelas cenas preguiçosas e repetitivas (quantas vezes Edith sai do quarto pra caminhar nos corredores do escuro em busca de um susto fácil? Perdi as contas, e ainda fiquei com sono no lugar dela).

Mia Wasikowska, que ainda não aprendeu a atuar, pelo menos se esforça para parecer frágil e chata, com certo sucesso. Pois é. “O romance gótico geralmente é centrado no ponto de vista feminino, mas a heroína é sempre pura e frágil. Queria fazer uma história naquele cenário, mas com a protagonista fazendo sexo, lutando e capaz de sobreviver sem precisar se masculinizar“, explica Del Toro. E apesar disso e do começo querer reforçar essa ideia da mulher independente e forte, é justamente em uma protagonista de Jane Austen que Edith se transforma, com sorrisos melosos para o maridão e abraços fofos por medo quando ouve rangidos de madeira. Pfff. Tom Hiddleston, eternamente superestimado por conta de seu Loki (um dos personagens mais sem graça da Marvel Filmes), faz aqui um papel dúbio com desfecho risível, em busca de uma redenção (e tem uma cena com bundinha de fora, pra quem for fã do cara). Apesar de empenhado, Charlie Hunnam sobra na história inteira, com um papel descartável — e quando você acha que ele terá importância no clímax, a única grande descoberta que ele faz já tinha sido desvendada pela protagonista horas antes. Oi? Pois é. Resta a sempre excelente Jessica Chastain sustentar o filme nas costas, com uma atuação incrível, em sua beleza que nunca precisa de retoques — e é no seu olhar que reside todo o corpo da trama.

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O desfecho, aliás, me lembrou vagamente o final de O Iluminado, em alguns pontos aqui e ali, ainda que não de todo ruim. Mesmo sem sucesso, Del Toro foi supostamente bem intencionado ao tentar emular filmes e obras literárias góticas que consumiu ao longo da vida, pra construir esse romance sombrio, onde poucos momentos se salvam e onde o diretor se contrariou do início ao fim, numa ironia quase inacreditável.

Afinal, A Colina Escarlate é um filme feito de birra. “Essa não é uma história de fantasmas. É uma história com fantasmas”. E você não vai poder dizer que Del Toro não avisou.

 

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