A Qualquer Custo

Um grande filme consegue utilizar as características básicas de um gênero estabelecido como pano de fundo para contar a história que bem entender. “A Qualquer Custo” faz isso muito bem ao usar o western como base para sua narrativa de sobrevivência a qualquer preço diante das injustiças e sofrimentos decorrentes da submissão dos Estados Unidos às instituições financeiras vampirescas que os dominam.

O filme se passa no desértico Texas e abre com dois irmãos, Toby (Chris Pine) e Tanner (Ben Foster), roubando um pequeno banco local logo cedo, pela manhã. Dali eles partem para outras filiais da mesma instituição, repetindo o procedimento: roubando pequenas quantidades de dinheiro em notas não rastreáveis. Isso acaba chamando a atenção dos policiais estaduais Marcus (Jeff Bridges), o qual está prestes a se aposentar após muitos anos no emprego, e Alberto (Gil Birmingham), um descendente de indígenas que atura as constantes piadas de seu colega sobre suas origens.

Dirigido pelo escocês David Mackenzie (do excelente “Encarcerado”, de 2013) de forma excepcional, o filme desenrola sua história sem pressa, mas ao mesmo tempo sem parecer enrolado ou lento demais, em grande parte por causa da qualidade do ótimo roteiro de Taylor Sheridan (Sicário: Terra de Ninguém), o qual mescla e diversifica muito bem cenas de ação e cenas de conversa permeadas por diálogos reais, permitindo àqueles que assistem ao longa percebam claramente as motivações que levam os personagens a agirem da forma como agem. A trilha sonora triste feita pelos talentosos Nick Cave e Warren Ellis complementa muito bem tudo isso, dando um ar de raiva melancólica à produção.

A mensagem de revolta contra o status quo presente no filme é evidente durante toda sua duração, como por exemplo quando vemos, pichada na fachada de um banco, a frase 3 tours in Iraq but no bailout for people like us (tradução livre: três incursões no Iraque mas não há ajuda para pessoas como a gente), numa clara referência aos muitos bilhões de dólares que o governo americano já concedeu aos bancos para salvá-los de suas próprias irresponsabilidades enquanto incontáveis veteranos do exército americano passam fome e não tem acesso nem mesmo a uma assistência médica de qualidade. Não restam dúvidas de que os grandes vilões do filme, no fim das contas, são os bancos, seus juros abusivos e a total falta de preocupação com o bem estar da população que faz uso dos seus serviços.

O filme consegue, no entanto, fugir do maniqueísmo barato contrapondo a personalidade dos dois assaltantes: Tanner, que rouba pelo prazer de roubar, pela adrenalina envolvida na prática, se mostrando um indivíduo extremamente volátil e perigoso, enquanto Toby se preocupa com seus filhos acima de tudo e gosta de tratar bem aqueles que não estão “do lado” dos bancos, deixando isso claro ao dar uma gorjeta gorda para uma garçonete que passa por dificuldades financeiras similares às dele.

A relação entre os dois irmãos é muito bem estabelecida e convincente, e isso se deve às excelentes performances de Pine e Foster, dois ótimos atores injustamente subvalorizados em Hollywood. A outra grande parceria do filme, entre os policiais, também é muito bem realizada, e parece que Bridges e Birmingham nasceram para atuarem lado a lado, resultando em uma parceria que gera muitos risos (e algumas lágrimas).

“A Qualquer Custo” é um filme direto e, à primeira vista, consideravelmente simples. Porém, nos seus detalhes e nuances, existe toda uma complexidade que certamente presenteia o espectador mais atento com camadas de significado que deixam claro que o longa não se trata de um simples filme de bandidos e mocinhos, mas sim um retrato da pobreza desoladora que toma conta de grande parte dos Estados Unidos.

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