A tristeza extraordinária do leopardo-das-neves

Joca Reiners Terron domina o humor cínico enquanto vagueia pelo Bom Retiro, cenário de uma trama improvável, onde o contexto macro é devorado por microuniversos, de pequenas histórias pessoais que vão se coadunando de maneira natural, dentro deste fluxo narrativo delicioso.

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Três plots se desenvolvem paralelamente: o da criatura e a Sra. X, do Escrivão Monocórdico e do enigmático Leopardo-das-Neves. Enquanto uma trama envereda pelo suspense e bizarria, a outra climatiza um ambiente familiar intrínseco e amargo, e a terceira comete uma fábula ancestral e magnífica. Há outras subtramas também que valem tanto quanto, como o do entregador coreano e do taxista excêntrico. Todas essas histórias saltam de um bairro a outro, vindo cair na Vila Mariana, num zoológico peculiar com nome de álbum do Nick Cave, Nocturama — e também nas Montanhas Altai, cuja geografia o escrivão-narrador nunca sabe localizar, se na China ou na Rússia (mas o Google nos diz que em ambas, ainda acrescendo Mongólia e Cazaquistão, veja só que imensidão).

Já na metade do livro é possível sacar o desfecho e os responsáveis pela ocorrência no zoo. Mas o final, construído propositalmente para ser desvendado, não importa. A essência desta obra cheia de cores, sabores e melodia reside justamente nas relações, nas interpretações das situações, nas boas e más intenções e na misericórdia acima de tudo. O ponto alto de A tristeza extraordinária do leopardo-das-neves ocorre em dois momentos: na descrição dos animais noturnos pela enfermeira na TV (eu ri, reli e ri de novo) e em todos os anexos que narram a jornada do animal-título, com o tom certo de fábula nesta trama noir acima da média.

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