As Boas Damas, de Clara Madrigano

Annabel Watson se prova uma protagonista carismática logo na primeira página dessa nova novela de Sherlock Holmes, que conta com a participação do próprio como tutor legal da adolescente, órfã dos pais e que serve como assistente do maior detetive de todos os tempos, agora mais velho e melancólico, mas não menos habilidoso, ao ter de lidar com um novo caso, do suposto assassinato de um menino pelas mãos da própria mãe, que se acusa e joga o caso na mão da dupla.

A história é brilhante, carregada de todos os elementos icônicos que permeiam a cria de Conan-Doyle e tem um excelente começo e segundo ato. Clara não só conhece muito bem o universo emprestado para narrar uma trama singular, entregando o protagonismo a uma mulher detetive (algo não exatamente inédito no universo sherlockiano, mas feito de maneira rasa até então), como também constrói frases saborosas, de palavras bem encaixadas, que colaboram para o andamento da narrativa, sucinta e instigante o tempo todo, tornando impossível o ato de largar o ebook até que se termine a leitura, que funciona do sempre, mesmo com algumas ressalvas.

Clara Madrigano
Clara Madrigano

Entre elas, a revisão. Acertada em mais da metade do livro, deu a impressão que foi abandonada do meio para o final, deixando escapar falhas bobas, como erros de digitação, uso torto de plural e coisinhas assim, que quase nos tiram da boa imersão, mas não chegam a ser um problema de fato. No mais, o happy end me incomodou como escolha narrativa, mas aí vai muito de um cinismo de formação de leitor de Holmes, o que não apresenta verdadeira deficiência no plot; e por fim: o detalhe de Sherlock não solucionar o caso de fato (nem ao menos por Annabel), sendo este esclarecido por outros. Este eu não perdoo, mas mais uma vez, vai do quão fanboy você é das histórias do detetive e das expectativas que se cria em cima dos novos contos sobre ele.

Fazendo uso do mito do Doppelgänger para construir sua narrativa, a autora distribui pistas, detalhes e estranhezas ao longo de cada capítulo, não deixando nenhuma ponta solta, a medida que cria uma atmosfera ora poética, ora aberrante, destilando frases e diálogos marcantes com um acerto no humor ácido de sua dupla protagonista, afiados como espadas. Principalmente no começo, por vezes, a trama me remeteu ao filme A Troca, com Angelina Jolie, e esse repertório colaborou bastante para a entrada nos cenários inóspitos concebidos a partir de Windross, as heras invasivas e toda a natureza retomando o que sempre foi seu.

Anna possui personalidade e comportamentos muito à frente de sua época, para alguém de sua idade, como também carrega a sensatez de seu pai e o faro de seu tutor, com um background improvável, que amarra sua história pessoal com a investigação, fazendo a premissa, até então um flerte com o sobrenatural, se tornar uma entrega completa ao gênero do realismo fantástico, mas não exatamente absurda, algo mais próximo do que Neil Gaiman e Rodolfo Martínez fizeram com o cenário de Holmes (com Um Estudo em Esmeralda e A Sabedoria dos Mortos, respectivamente), e menos do que se espera de um A Noiva Abominável (do seriado de Sherlock, tom apropriado para comparar aqui, pelo menos em boa parte da novela) ou o O Cão dos Baskervilles, por exemplo.

Intrigante do começo ao fim, As Boas Damas fornece um Sherlock despedaçado e incompleto, mas ainda um Sherlock por essência, em seus últimos dias, realizando uma parceria adorável de acompanhar com uma jovem e cativante assistente — e Annabel Watson merece muitas outras histórias no formato (afinal, ainda não vimos o que aconteceu com ela e Holmes entre seus 15 e 18 anos, e acredito que não só eu, mas outros leitores da novela gostariam de saber).

As Boas Damas, de Clara Madrigano

Leitura muito recomendada para os fãs de Sherlock, ou para quem gostaria de conhecer mais sobre o universo do detetive.

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