Bingo, uma homenagem ao Bozo

Bingo – O Rei das Manhãs não só realiza a estreia de um grande diretor nacional, como também fornece um retrato fiel de bom saudosismo do período oitentista brasileiro, em uma biografia enérgica, densa e bem executada, de um dos ícones da minha infância: o palhaço Bozo, aqui ganhando outro nome, para não empacar em direitos autorais.

Mais do que isso, o longa evidencia uma honesta biografia de seu primeiro intérprete, Arlindo Barreto (ainda que com várias liberdades poéticas que funcionam no contexto), aqui transformado em Augusto Mendes, neste que é o papel da vida de Vladimir Brichta, entregue ao personagem de maneira feroz, divertida e sincera, que rouba a história para si, do começo ao fim. Bem acompanhado inclusive da sempre linda e fantástica Leandra Leal (como a diretora do programa, um contraponto sério e rígido ao protagonista sacana), e do ótimo Augusto Madeira, como o câmera-man que é uma má companhia.

Daniel Rezende, um premiado montador em mais de 15 filmes nacionais e gringos, faz aqui sua estreia na direção, com mão firme nas boas escolhas de ângulos e longas tomadas de plano sequência, ora inventivo, ora caminhando por terreno seguro, mas sem nunca cair no lugar-comum, favorecendo seus personagens, diálogos e situações, nunca deixando o filme cair na mesmice ou cansar, editando de maneira curiosa ao intercalar cenas da trama com programas da época de um jeito muito orgânico e funcional, fortalecendo os trunfos do cinema brasileiro, geralmente calcados nas tragédias urbanas anunciadas de antemão, na decadência do homem de maneira verossímil, e na anti-jornada do herói, em uma desconstrução pra lá de bem feita.

Falando em “herói”, aliás, ao contrário de Peter Parker, que precisa esconder a alcunha de Homem-Aranha para manter Tia May e Mary Jane protegidas dos vilões, aqui temos Bingo ocultando a face de seu intérprete, para manter o palhaço em alta, acima de tudo — sendo ele um ícone maior do que a figura humana, responsável pela alta audiência, números crescentes e sucesso imediato, principalmente entre o público. O que faz com que o protagonista vá perdendo sua identidade ao longo da carreira, abandonando seus valores em prol do sucesso que não para. Por isso a figura do filho é tão importante para, volta e meia, tornar a ancorar o personagem de volta as suas raízes. A ex-esposa e, principalmente a mãe, tal qual na vida real, também eram do meio artístico — e seus momentos com a matriarca são emocionantes, na medida, sempre criando um contraponto com seu lado devasso e viciado.

Prestando uma riquíssima homenagem a um grande período da televisão brasileira, Bingo – O Rei das Manhãs também é uma biografia acima da média, que vale a sessão e ainda fornece boas risadas, entre lágrimas e tensão.

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