O Mágico Inesquecível

Um conto de fadas afro-americano

Dorothy Gale (Diana Ross) é uma tímida professora de 24 anos que vive no Harlem, em Nova York, com a sua família. Em uma noite de ação de graças, ela sai na rua no meio de uma nevasca para resgatar seu cachorro, Totó, e é transportada para Oz, uma terra fantástica.

Ela já chega no lugar destruindo a Bruxa Má do Oeste (Mabel King) e vira uma espécie de heroína dos Munchkins, um povo que era escravizado por ela. Dorothy também herda os sapatos prateados da mulher, mas tudo que ela quer é voltar para casa e logo ela fica sabendo sobre o Mágico de Oz (Richard Pryor) que, segundo os nativos, é capaz de realizar qualquer desejo.

Dorothy parte pela estrada de tijolos amarelos para se encontrar com o Mágico e, no caminho, encontra um Espantalho (Michael Jackson) que deseja ter um cérebro, um Homem de Lata (Nipsey Russell) que quer ter um coração, e um Leão (Ted Ross) que quer ter coragem.

O Leão Covarde, Dorothy, o Homem de Lata e o Espantalho
O Leão Covarde, Dorothy, o Homem de Lata e o Espantalho

A origem de O Mágico Inesquecível

Não é muito difícil notar que a inspiração original de O Mágico Inesquecível é o clássico O Mágico de Oz, de L. Frank Baum, mas o filme, na realidade, é uma adaptação do musical da Broadway, The Wiz, que estreou em 1974. O musical foi indicado a oito Tony Awards e ganhou sete, entre eles melhor musical, melhor ator em um musical, melhor atriz em um musical e melhor direção de musical.

O diferencial de The Wiz é que ele adapta a história de O Mágico de Oz dentro da cultura afro-americana e para isso, claro, o seu elenco é composto só por atores negros. Além disso, a trama é cheia de referências e a jornada de Dorothy, do espantalho, do Homem de Lata e do Leão Covarde é uma metáfora para a emancipação pós-escravidão.

A trilha sonora é composta de músicas que circundam entre o gospel, o blues, o soul e o R&B, gêneros musicais criados por negros. Tanto a peça quanto o filme foram pensados para audiências negras, o que por si só já transforma The Wiz em uma obra muito importante.

O elenco de O Mágico Inesquecível é composto só por atores negros
O elenco é composto só por atores negros

O filme

O Mágico Inesquecível segue essa mesma lógica: o filme surge na onda de Grease – Nos Tempos da Brilhantina – que inclusive aumentou a procura por musicais na Broadway -, mas diferentemente do já citado, é um filme que visa agradar a audiência negra e isso se dá porque ele faz um retrato da vida dos afro-americanos naquele período. Além disso, existe uma grande representação no filme, já que o elenco é inteiramente composto por atores negros.

Mas O Mágico Inesquecível moderniza a história do musical, aqui o filme fala diretamente com e para a sociedade pós-direitos civis. Dorothy vive em Nova York, e Oz, a terra mágica para onde ela é transportada, é uma representação da cidade, ela é caracterizada dessa maneira e foge da caracterização mágica e digna de contos de fadas de filmes como O Mágico de Oz.

Quando Dorothy chega a Oz e mata a Bruxa Má do Oeste, ela liberta os Munchkins, que tinham sido transformados em grafitti, porque tinham decorado as paredes do lugar de uma maneira que a Bruxa não gostou. Dessa forma, o filme faz um comentário sobre gentrificação, que é o processo de modernizar alguns bairros e deixá-los inabitáveis para quem antes morava lá, o que com frequência acontece em bairros com uma grande comunidade negra, nos Estados Unidos. Mais tarde, quando Dorothy encontra o Espantalho, ele está sendo atacado por um bando de corvos, que no filme, são homens usando roupas de corvos. A cena nos remete às leis de Jim Crow, leis americanas que impunham segregação à população negra.

O cenário de O Mágico Inesquecível é bem cosmopolita
O cenário de O Mágico Inesquecível é bem cosmopolita

O Mágico Inesquecível faz ainda uma referência a masculinidade tóxica, que é ainda mais cruel com meninos e homens negros. A falta de coração do Homem de Lata aqui tem a ver não com crueldade, mas sim com a maneira com que ele trata as mulheres, ele mesmo diz que foi deixado para enferrujar por sua quarta esposa, depois de mais uma traição. O Leão, que foi exilado porque foi considerado covarde demais para ser rei, sofre da mesma pressão, ele não é agressivo, forte e dominador, como se espera que um homem seja.

As músicas

As músicas são as mesmas que fazem parte da trilha sonora da peça e elas tem uma forte influência de ritmos e gêneros criados por negros, como gospel, blues, soul e R&B. Entre elas estão Can I Go On?, You Can’t Win, Be a Lion, Believe in Yourself e Home.

Ainda que sua trama seja cheia de inovações, O Mágico Inesquecível é um musical clássico e apresenta seus números musicais de maneira com que eles falem diretamente com a história, os personagens exprimem seus sentimentos e pensamentos através da música, como acontece com O Mágico de Oz, o filme mais famoso inspirado na obra de Baum. Mas a inovação aqui fica por parte das coreografias, que também são influenciadas por estilos criados por negros e que fazem parte da cultura afro-americana.

Michael Jackson como o Espantalho em O Mágico Inesquecível
Michael Jackson como o Espantalho

Aspectos técnicos

A impressão que se tem é que O Mágico Inesquecível não é uma produção especialmente grande, mas isso acontece porque é natural comparar esse filme com a outra versão de O Mágico de Oz, que é um desbunde. A ideia aqui, no entanto, não parece ser apresentar cenários grandiosos, nessa terra maravilhosa que é Oz, já que Oz aqui é uma representação de Nova York, ou seja, um lugar urbano e violento, como era na época. A Oz do filme é muito cosmopolita, cheia de pichações e até com locais que parecem entradas de metrô.

O Mágico de Oz já é originalmente uma alegoria política disfarçada de conto de fadas moderno, o livro tem alusões a economia da época em que seu autor viveu, fala sobre alienação e tem na figura do Mágico uma espécie de político populista sem muita capacidade – em O Mágico Inesquecível, o Mágico de fato é um político -, The Wiz e O Mágico Inesquecível aumentam essa alegoria ainda mais e a concentram na comunidade negra.

O filme tem uma série de referências a cultura afro-americana
O filme tem uma série de referências a cultura afro-americana

Longe de ser um conto de fadas no sentido mais clássico da palavra, O Mágico Inesquecível apresenta uma Dorothy adulta, que ainda vive com os tios, o que é estranho para a cultura americana e que é uma representação do seu lado “infantil”, e personagens nada infantilizados, o filme aborda a história de maneira bem menos inocente do que seu antecessor. O filme conta com boas atuações, o elenco principal se sai muito bem e Richard Pryor, que interpreta o Mágico de Oz, está ótimo. A produção conta ainda com dois cantores tentando carreiras no cinema: Diana Ross, que fez mais filmes e já tinha sido indicada ao Oscar, em 1973, por O Ocaso de uma Estrela, e Michael Jackson, que não teve tanta sorte.

O Mágico Inesquecível é uma modernização da história de Baum, que prova que O Mágico de Oz é realmente atemporal, e que de quebra é um grande comentário e homenagem a cultura afro-americana. Sua importância vai muito além de ser “O Mágico de Oz negro”, como o filme ficou conhecido, ele é um ótimo exemplo de representação e de como é importante se ver nas telas de cinema. Ajuda muito o fato de o filme ser extremamente divertido e ter uma ótima trilha sonora com grandes números musicais.

Botão Voltar ao topo
Fechar