Friends, Lovers and the Big Terrible Thing

Eu tomei cuidado para não me iludir. Quando comecei a ler “Friends, Lovers and the Big Terrible Thing“, mais conhecido como “O Livro do Matthew Perry”, eu tinha a convicção de que não se tratava de uma comédia ou uma mera coletânea de curiosidades sobre a produção da sitcom de maior sucesso da história (afirmação meio leviana, mas difícil de se contestar).

Eu sabia que era um livro de memórias sobre como um dos atores da série lidou com seus vícios e dezenas de internações em clínicas de reabilitação enquanto fingia que estava tudo bem e continuava na TV, soltando piadas bo(b)as com um timing preciso.

O que eu não esperava, porém, era a intensidade que o drama de Perry ia me atingir. Já adianto: é um livro difícil, puxado e com raras piadas, que acabam soterradas por uma incomensurável tristeza a cada capítulo da vida do ator.

Friends Lovers and the big terrible thing
Capa do livro Friends, Lovers and the Big Terrible Thing

O peso da fama

Contado sempre em primeira pessoa, com um candor raro, o livro é incrivelmente íntimo. Diz Matthew que algumas semanas antes de receber o convite para o papel que mudaria sua vida, ele fez uma prece a Deus. Pediu a Ele que lhe desse fama e, em troca, poderia fazer o que quisesse com sua vida. E Deus teria honrado com as duas partes da oração.

A fama, como logo fica claro, não é a solução para todos os problemas e é, inclusive, o catalisador de vários. A série estava desde antes de sua estreia fadada ao sucesso, tanto que um dos produtores levou os seis atores principais para um final de semana de diversão em Las Vegas antes da estreia. “Aproveitem os últimos momentos que vocês podem andar por aí sem serem reconhecidos”, teria recomendado aos atores, profetizando ali o futuro da vida de todos eles.

Teria sido essa mesma fama, porém, que salvou a vida de Matthew em um dos momentos mais impactantes do livro. Durante uma desintoxicação em uma casa de reabilitação na Suíça, o coração do ator teria parado de bater por cinco minutos. O médico de plantão fez, durante todo esse tempo, uma incansável e desesperada massagem cardíaca nele, gesto que salvou sua vida – e quebrou algumas de suas costelas. Esse procedimento não seria normal – não, pelo menos, durante tantos incontáveis e desesperadores minutos. Mas o medo de ter um dos astros de Friends morrendo em seu leito fez com que o profissional procedesse dessa forma desesperada, salvando a vida de Matty. “Eu deveria estar morto”, diz Matthew, abrindo inclusive o livro com essa afirmação.

Matthew Perry como Chandler Bing, em Friends

Julia Roberts e outros amores

Não é só de uma brutal honestidade em relação aos seus vícios e problemas de saúde que o livro se compõe. Matthew também espalha fofocas em primeira mão sobre seus amores: do crush que tinha em Jennifer Aniston (“quem não teria?”, adiciona), a detalhes íntimos demais sobre quando perdeu sua virgindade com Tricia Fisher, a meia-irmã de Carrie Fisher.

Mas as melhores partes dos relacionamentos de Perry envolvem Julia Roberts. À atriz foi oferecida uma ponta no episódio especial que seria exibido no dia do Superbowl e Julia respondeu que participaria se sua personagem estivesse no arco de história do Chandler. “Você deveria enviar flores à Julia Roberts”, um dos roteiristas disse a Matthew um dia, assim que ele chegou para trabalhar.

De flores, eles passaram a trocar fax (era outra época) e o time de roteiristas de Friends trabalhava junto com Matty para criar as mensagens mais fofas possíveis. Com tantas figurinhas de zap trocadas (por fax, vocês entenderam), um relacionamento começou assim que eles se encontraram.

Matthew fala de Julia Roberts no livro sempre com muito carinho. E a parte mais inusitada é que foi ele que terminou o relacionamento: com uma auto-estima péssima, ele acreditava que era questão de tempo para ela perceber que ela era a maior estrela do cinema da época e ele era apenas um ator de televisão supervalorizado. Perry não aguentou a ideia de que Julia terminaria com ele assim que percebesse isso, então se “adiantou” e terminou ele mesmo.

Mais tarde, no livro, quando ela ganhou o Oscar por Erin Brockovich (em 2001), Matthew assistiu a cerimônia de uma clínica de reabilitação.

Participação de Julia Roberts na série

Friends Reunion

Durante o “Friends: The Reunion”, especial de pouco mais de uma hora e meia, há uma curtíssima passagem em que Matthew fala das dificuldades e da pressão que ele enfrentava na época. O especial é covarde e raso e muda de assunto rapidamente. Há quem argumente que, sendo um especial de celebração da série, não seria o momento de explorar essas questões. Mas o especial de Harry Potter é muito mais ousado e passa um bom tempo discutindo as dificuldades de Emma Watson em lidar com a fama e das vezes que ela mesma pensou em desistir.

Ao invés de se aprofundar na pressão que os atores sentiam em fazer a comédia número 1 do mundo – e que, em partes, levou Matthew ao vício -, o Reunion preferiu trazer o fraquíssimo e incompetente James Corden e fazer um “desfile de roupas da série”, uma completa perda de tempo.

O livro também tem seus momentos de Friends, como não poderia deixar de ser. Ele confirma alguns boatos – como que a participação de Bruce Willis na série foi por conta de uma aposta entre os dois atores. E os seis astros realmente tinham um acordo entre eles para os contratos de renovação serem igualmente feitos entre todos – sugestão que partiu de David Schwimmer logo na primeira temporada. Na época, ele era o ator melhor e mais reconhecido dos seis, então essa proposta foi certamente uma ideia altruísta que, Matty destaca, lhe rendeu literalmente milhões de dólares.

Elogios à toda equipe transbordam pelas linhas nos parágrafos que remetem à série Friends, e para qualquer fã essas partes são uma delícia de serem lidas. Mas o drama pesado sempre acaba voltando.

Quando Chandler está magro demais, Matthew está viciado em opióides. Quando ele ganha mais peso, Matthew está viciado em álcool. E, no momento de maior destaque do personagem, quando ocorre o casamento de Chandler e Monica, Matthew estava morando em uma clínica de reabilitação: de manhã ele saía do rehab, ia até os estúdios, gravava e de noite ele voltava ao rehab.

Friends Lovers and the Big Terrible Thing
Cena do casamento de Monica e Chandler em Friends

Bojack Horseman da vida real

É esse o livro: um ator de uma sitcom dos anos 1990 que tem que lidar com seus vícios em sua mansão de vista privilegiada em Los Angeles. Eu devo ter gostado por ele ser uma combinação de duas das minhas séries favoritas: Friends e Bojack Horseman

A escrita do livro flui bem, ao contrário das raras piadas. É inegável que Matthew é uma pessoa engraçada, mas os chistes raramente engatam. No humor, ele se distancia de Bojack, sendo um livro muito mais pesado – e olha que Bojack não é uma série leve.

Para quem estiver buscando uma comédia ou uma coletânea de curiosidades da sua série favorita, talvez este não seja o livro ideal. Mas para quem quiser ler um drama real sobre vícios, ambientado nos bastidores de Hollywood, vale a pena a leitura.

Nome Original: Friends, Lovers and the Big Terrible Thing
Autor: Matthew Perry
Editora: Flatiron Books
Gênero: Biografia
Ano: 2022
Número de Páginas: 272
Botão Voltar ao topo
Fechar