Piedade – longa nacional premiado no Festival de Brasília

Cláudio Assis (Baixio das Bestas, Febre do Rato, Amarelo Manga) volta a entregar uma peça que discute questões sociais referentes a espaços brasileiros particulares. Desta vez, Piedade se vale de um superelenco para abordar uma fictícia cidade litorânea nordestina, cuja uma de suas comunidades ribeirinhas se vê fustigada por uma multinacional petrolífera que já produziu mudanças ambientais e deseja retirá-los do local.

Omar (Irandhir Santos) é o líder esquentado do povoado, cuja matriarca é sua mãe, Carminha (Fernanda Montenegro, sensacional como de praxe) e que se recusa a aceitar as condições impostas a eles pelo representante da empresa, Aurélio (Matheus Nachtergaele). Em paralelo, acompanhamos a saga de Sandro (Cauã Reymond), proprietário de um cinema pornô na zona urbana da cidade e que tem um vínculo com os habitantes do povoado.

Piedade

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Há boas sacadas: o abafamento do inferninho se reflete pelos tons sempre avermelhados e pela descrição de um cheiro de sexo que desagrada a todos que não pertencem a esse mundo; uma câmera que procura nervosamente acompanhar momentos de tensão; e, logo no início, uma tomada superior bem interessante cuja ousadia, infelizmente, não tem equivalente no resto do longa. Destaco também os nomes estrangeiros de alguns personagens, o que destaca a influência estrangeira notória no local.

Piedade é um filme curto, o que num primeiro instante causa preocupação se dará conta de levar com qualidade as inúmeras situações dramáticas que surgem e que interagem umas com as outras. Entretanto, Assis é um diretor experiente: ele determina um ritmo adequado à proposta, nunca se detendo exageradamente em um plano.

De todo modo, um ou outro detalhe poderia ser melhor explorado: por exemplo, a relação de Aurélio com seu mundo individualista e de poucas cores. Saber o nível de hedonismo deste personagem renderia coisa boa, sabendo que ele estava nas mãos de Nachtergaele.

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Várias sensações

Há um gosto agridoce do ponto de vista técnico: os instantes mais interessantes acompanham sempre algo que poderia ser melhor polido, como nos diálogos falados de modo algo artificial na discussão de Aurélio com Omar e a comunidade ribeirinha numa reunião que, graças ao trabalho de câmera, inspira tensão.

Além disso, a vida abafada, acomodada e sem esperança de Sandro e seu filho é tocada pela presença de Aurélio: de que modo essa relação se desenvolverá produz um dos maiores atrativos no espectador, e cujo resultado agradará alguns, mas não a outros.

Dentro dessa bipolaridade intrínseca, num projeto arriscado pela quantidade de portas que se abrem no roteiro ao início, Assis, espertamente, entrega o trabalho nas mãos de grandes atores, que seguram a credibilidade do que se vê. Ao final, os óculos de realidade virtual recebidos por um garoto simbolizam uma consequência imediata de tudo o que presenciamos.

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Além disso, uma das últimas cenas tem um ar que causa um desequilíbrio narrativo em quem assiste, mas se prova bem colocada onde está. Esses “easter eggs” do roteiro podem gerar boas discussões nas rodas de críticos, o que deve divertir o diretor: é a mesma sensação que tenho quando vejo uma obra de David Lynch e a possível reação do artista ao que ela provoca.

Gostaria que o filme fosse um pouco mais longo, para melhor exploração das relações afetivas presentes. Mas, se a intenção é manter uma visceralidade visual e lírica típicas do cinema brasileiro, então, ok, posso lidar com isso. Novamente, Cláudio Assis é um diretor talentoso e vai certamente nos brindar com outros bons toques de reflexão baseados nas cores fortes de nossos diferentes ambientes nacionais.

Piedade

Nome Original: Piedade
Direção: Cláudio Assis
Elenco: Fernanda Montenegro, Matheus Nachtergaele, Irandhir Santos, Cauã Reymond, Gabriel Leone
Gênero: Drama
Produtora: República Pureza Filmes, Perdidas Ilusões, Canal Brasil, Gullane
Distribuidora: Ludwig Maia Arthouse Distribuidora de Filmes
Ano de Lançamento: 2019
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