Os Tradutores
Eu geralmente odeio cinema francês. Acho as comédias chulas, as histórias bestas, as atuações sonsas, é um preconceito mesmo; também acontece em Paris, até o metrô lá cheira mal, macarron não é tudo isso, e aquela torre é só um punhado de ferro empilhado, não sei qual o atrativo. É importante destacar esse preconceito porque ele só aumenta os méritos do filme francês “Os Tradutores” (Les Traducteurs, 2019), que eu tava prontinho pra tacar pedras, mas saí do cinema pensando que, poxa, se eu estiver com o coração mais aberto, posso até fazer uma crítica que o adm do Rotten Tomatoes leia e fale “esse aqui gostou”, se o Rotten Tomatoes se importasse com a gente, é claro.
O filme se passa dentro de um mundo distópico no qual o mercado editorial ainda rende milhões de dólares para editoras e as pessoas ainda compram livros físicos. Com o lançamento da edição final de uma trilogia de sucesso que Hollywood ainda não colocou as mãos (se não ninguém lia, esperava sair o filme), a editora contrata os tradutores para fazer um lançamento simultâneo do negócio em várias línguas. E como direito trabalhista para tradutores não parece existir, eles prendem o pessoal em um bunker subterrâneo, tirando até acesso à internet, o que com certeza ferrou a sequência de Duolingo de uma galera ali. A merda acontece quando alguém ameaça publicar a obra no torrent, aí só pode ser um dos tradutores, é claro, não dá pra confiar em quem fala mais de uma língua.
Os Tradutores – “Rudoniti”
Mistério foi sempre meu gênero literário favorito. Desde quando eu era um pequeno fedelho sem amigos, devorando livros da Agatha Christie trancado no quarto depois da escola. Em inglês, essas histórias de detetive, de ter um culpado no meio de um grupinho, são chamadas “whodunit“, escreve assim mesmo, é tipo um redneck falando “who [has] done it?“.
Outrora muito populares (teve até novela das nove com o tema), elas raramente conseguiam se dar bem no cinema, então Hollywood foi perdendo o interesse. 2019 foi o ano fora da curva mesmo, teve o maravilhoso Entre Facas e Segredos, mas aí era filme do Rian Johnson, eu sabia que ia gostar, era o contrário deste caso aqui.
Porque Os Tradutores, apesar de não ser nada espetacular, é um whodunit muito bem feitinho. Não vai deixar ninguém querendo pausar o filme para analisar friamente cada suspeito, mas o roteiro é esperto o bastante para ir entregando as coisas em um ritmo bom.
Sempre o roteiro
O roteiro é sempre quem manda numa boa história de whodunit. Em filmes de aventura, comédia, romance, quase todos os outros gêneros, você pode deixar passar com uma direção legal, uns atores entregando os corações, efeitos especiais maneiros, video-cassetadas, piadas no meio de cenas de ação… Mas não numa história de whodunit: nada é mais decepcionante do que mistério de novela onde qualquer um pode ser o culpado e tudo que o autor entrega no final é uma desculpa.
No caso de Os Tradutores, a solução encontrada (sem spoilers, mas se você não quiser saber nada, é melhor parar de ler) é semelhante ao que foi feito em Entre Facas e Segredos, que é criar viradinhas malandras na história. Ao invés de entregar tudo no final em um monólogo apoteótico, a solução vai sendo dada aos poucos, enquanto ainda tem coisa se desenrolando. E são plot twists bons o suficiente para manter o público interessado.
E não tem muito a falar além disso: boa premissa, a direção é competente, as atuações não são espetaculares mas também não são ruins – e quando você se perguntar de onde conhece aquele ator, é o Merovingian do Matrix.
Os Tradutores foi uma agradável surpresa pra mim que tenho um preconceito meio puxado com filme francês, então é sempre satisfatório quando aparece alguma coisa que a gente não consegue falar mal. E também é sempre bom quando a gente vê uma história de mistério que tem um final melhor que esta crítica.