Môa, Raiz Afro Mãe
O documentário Môa, Raiz Afro Mãe faz um levantamento da vida do mestre de capoeira e músico Romualdo Romário da Costa, o Mestre Môa do Katendê (1954-2018), influente personagem do carnaval (sobretudo o baiano) desde o final dos anos 1970 até sua morte, assassinado por um bolsonarista em 2018.
Personagem peculiar, o velho Môa, ainda jovem, participou e venceu um concurso para musicar o desfile do afoxé Ilê Aiê em 1977. À época, os desfiles em Salvador eram dominados pelos “blocos de índio” (apesar do nome, formados majoritamente por negros) e por afoxés de caráter fortemente religioso (sobretudo o Filhos de Gandhi e o já citado Ilê Aiê). O nome de Môa começa a se destacar a partir de sua primeira conquista: com um
senso de oportunidade, o artista percebe que havia espaço para a introdução de um ar mais comercial: cria o Afoxé Badauê, no qual as músicas tratam de temas “pop” e as vestimentas são mais coloridas. Tornou-se, assim, Môa, o disparador do novo carnaval de Salvador, que floresceu e segue como é hoje.
O documentário, entretanto, apresenta alguns detalhes que poderiam ser melhor tratados. O principal é o desequilíbrio entre o início, mostrando o surgimento do personagem influente que foi até a metade dos anos 1980, e a sua saída de Salvador rumo a outras capitais a partir deste período.
Môa, Raiz Afro Mãe
De fato, não se detém em entender o porquê dessa quebra, o que seria muito interessante, mas podemos imaginar algumas possibilidades: a principal delas é a resistência do ambiente carnavalesco mais antigo às “modernidades” propostas por Môa. De fato, apesar de ser um ótimo capoeirista, o protagonista demorou para ser reconhecido como tal. Também fica como registro a própria natureza do nome do bloco que criou, Badauê, mais “comercial” que os então mais populares grupos com designações mais religiosas.
Em São Paulo, Môa também foi influente: ele criou o Katendê, tentando reproduzir o projeto fora de Salvador. Também podemos perceber que artistas engajados com a temática da World Music puderam conhecer o artista, e Môa pode conhecer espaços que de outro modo seriam inacessíveis a ele.
A trajetória de Môa do Katendê
O Mestre foi assassinado em 2018, sendo um marco violento do aparecimento do bolsonarismo organizado. Como curiosidade, algumas imagens e relatos do próprio Môa já haviam sido registrados antes de sua morte, e foram aproveitados no filme. Como, dali por diante, o ambiente politico-social se deteriorou, o documentário adquire um caráter de urgência que pode atrair outros públicos além dos iniciados, conhecedores da vida e da
trajetória do artista: capoeiristas, carnavalescos e religiosos de matrizes africanas.
Como detalhe final, realço que um EP com o mesmo nome do documentário estará sendo lançado junto com o documentário. Nele, ficam os registros do próprio Môa e de artistas cuja musicalidade dialoga com a dele: a escolha do cast foi bem feita. Entre os dois itens, EP e documentário, gostei mais do primeiro. Porém, o filme já vale para que um público mais amplo tenha contato com um personagem seminal, e também para que se conheçam mais a fundo expressões associadas à musicalidade negra baiana.
Trecho aqui.