AmarAção – Comédia romântica com Caco Ciocler
Uma interessante surpresa temos nas mãos com este AmarAção (Bewitched, no que vai para carreira internacional), criação praticamente exclusiva do estreante francês Eric Belhassen. Com alguns metaexperimentalismos, apresenta ideias surpreendentes e que podem agradar um público mais sofisticado.
Erick (o próprio diretor, sendo ele mesmo enquanto nome do personagem), um homem franco-judeu na crise de meia-idade, acaba de terminar seu terceiro relacionamento. Em busca de acomodação mental e afetiva às mudanças do corpo e ao fim da última relação, ele acredita estar enfeitiçado pela recente ex-companheira.
Morando no Brasil, ele interage com Caco (Ciocler, também sendo ele mesmo enquanto nome do personagem), um ator descasado que tem um relacionamento com uma também atriz prima de Erick, e seus amigos. Angustiado com a situação de tensão gerada pela dificuldade em lidar com o fim do último affair, ele sai em busca de ajuda junto à sua família na França (personalizada na figura de seu irmão psicanalista) e de uma viagem à Israel, onde se encontra com rabinos cabalistas; por fim, retorna ao Brasil, onde percorre as manifestações religiosas afro-brasileiras, tentando encontrar alguém que possa romper o “trabalho” que pode ter sido feito contra ele.
AmarAção
O primeiro mérito do filme aparece na mensagem de texto exibida logo no início: foi realizado sem qualquer apoio financeiro do governo brasileiro. Apenas a Ancine participou, apoiando a divulgação do longa. Ao fazer questão de registrar tal fato, temos um posicionamento também político, e a partir daí é uma história solta, sem excessivas amarras de cinema academicista; um exercício livre, aparentemente despreocupado, mas bem pensado em sua construção e boa parte de sua imagética.
Se você conseguir superar o incômodo do som por vezes abafado (o que dificulta em vários momentos entender o que se fala, sobretudo do que sai da boca do gringo Eric), vai notar jogadas bacanas, como quando o protagonista narra a outros personagens o que vivenciou anteriormente na trama através da exibição das próprias tomadas do filme num IPAD.
É também de se destacar a desenvoltura de Ciocler, solto e quase autobiográfico, no que deve ter sido para ele um trabalho bem gostoso de ser feito. Seu olhar amável cai como uma luva, sobretudo nos momentos em que ele tem suas próprias crises de relacionamento.
Altos e baixos
Causa estranhamento a facilidade com que Erick migra de ambiente: ir do Brasil a Paris, depois a Jerusalém e de lá voltar é de uma velocidade estonteante. Também não se entende como nosso protagonista se sustenta financeiramente; entretanto é divertido seu percorrer de bicicleta pelas ruas, acompanhando o motorizado Caco.
A empatia entre os dois atores é nítida: eles se saem bem juntos, e uma química divertida rola. Também destaco os momentos em que o rosto europeu do personagem principal encara os panfletos de propaganda de “amarração” e “promessa de trazer seu amor de volta” colados nos postes. A cena em que ele está com Helena é também divertida, num outro exercício experimental remetendo a Godard.
Belhassen acha o Brasil belo em suas matizes religiosas e seus hábitos de relacionamento. Críticas podem ser feitas com relação a como ele vê tudo que vê: afinal, empatia é algo complicado de se alcançar. Há uma escorregadela particular numa cena em um terreiro. Os franceses, em especial, têm dificuldade em entender as nossas “bipolaridades” (muita água em certas regiões e seca em outras; afetuosidade do povo versus altos índices de violência; uma desenvoltura corporal misturada com moralismo e conservadorismo de costumes; gangorras políticas constantes), mas Erick não se esforça em entender tudo isso com olhar excessivamente eurocentrado. Ao invés, deixa-se imergir no contexto e permite-se levar pelas ondas do que acontece, sendo conduzido pelos personagens numa viagem a ambientes religiosos, botecos, festas, famílias.
Recomendo este AmarAção a um público que gosta do olhar estrangeiro sobre nós num trajeto de tentativa de assimilação real de nossa cultura. É um bom filme, um filme autoral de esforço pessoal.