Belfast
Chamam de “Oscar bait” (ou fisgador de Oscar) aquele tipo de filme que é feito com o propósito quase único de tentar conseguir uma premiaçãozinha, ludibriar a academia para parecer que a obra é mais bonita do que realmente é, joga ali uma aparência artística e tá tudo bem. Geralmente é algo chato também, já que a proposta não é necessariamente entreter, é evitar errar. Belfast é sim um Oscar bait. Mas isso não quer dizer que é um filme ruim.
Rádio Patrulha em Belfast
A decisão mais óbvia nesse sentido foi colocar o filme em preto e branco. Nem precisava, já que ele se passa nos anos 1960, já existiam filmes coloridos nessa época, como é demonstrado nas cenas que os personagens vão para o cinema. Assim, tem muito filme colorido onde os personagens assistem filme em preto e branco, mas este é o único onde o contrário acontece.
Não parece haver uma motivação óbvia para essa escolha a não ser enfatizar a fotografia e as atuações. E tá tudo bem, enfatizou mesmo: as atuações estão bem decentes e o filme recebeu indicações para ator e atriz coadjuvantes.
A fotografia também está excelente, com enquadramentos cuidadosamente escolhidos para parecer que o público está invadindo a privacidade daquela família. Por vezes, a câmera está parada em um lugar, filmando outro cômodo, como se fôssemos aqueles vizinhos enxeridos do andar de baixo, ou a velhinha rádio-patrulha do cortiço. E as conversas e as situações às quais elas ocorrem são quase mundanas, o que intensifica ainda mais essa sensação de invasão de privacidade, como se fosse a Alexa ouvindo tudo o que acontece na casa e repassando para a Amazon.
Irlandês demais
A única coisa que atrapalha mesmo o público de se meter nessa fofoquinha da boa é o sotaque irlandês exacerbado do pessoal. Obviamente, para nós que usamos a legenda, fica fácil, mas quem entende inglês, decifrar o que os personagens falam é um desafio a mais – e também uma diversão.
E o filme também funciona como uma ode aos irlandeses e à mania deles de deixar suas terras e sair por aí se espalhando pelo mundo. “Irlandeses foram feitos para sair”, diz uma personagem em um momento. “Sofre quem vai e sofre quem fica”. Os diálogos são gostosos e não é à toa que o filme também concorre ao Oscar de melhor roteiro original.
E completam as indicações: melhor som, melhor direção e melhor filme. Com tantas chances de Oscar, não restam dúvidas que este é sim um Oscar bait. Mas é também um ótimo filme, que tem uma vantagem extra de ser curto: uma hora e meia de tela tá mais que suficiente, ninguém aguenta mais filmes com duas horas e meia, ninguém tem tempo para isso, é muito tempo livre pra ficar sem beber.
O que lembra do maior problema do filme: para um filme irlandês há poucos pubs.