Este Mundo é um Hospício
Um exercício imprescindível a qualquer cinéfilo é conhecer as obras dos diretores clássicos, mesmo que sejam as menos grandiosas. Através desse contato, não só conhecem-se as fontes de referência ao que sempre se fará no cinema como também a análise do que podemos entender como talentos cinematográficos se torna mais fácil.
Cai então em minhas mãos Este Mundo é um Hospício, essa comédia de humor negro do grandioso Frank Capra (vencedor de 3 Oscars ® por Do Mundo Nada se Leva, O Galante Mr. Deeds e Aconteceu Naquela Noite), em que Cary Grant encarna Mortimer, sobrinho de duas senhoras que se revelam assassinas em série que usam um outro sobrinho, um lunático que se acha presidente dos EUA, para esconder os corpos no porão da casa onde moram.
Mortimer se vê então envolto na loucura de lidar com tal bizarrice ao mesmo tempo em que precisa dar atenção à sua recém esposa (Lane, cujo rosto alvo e olhos úmidos causavam furor através dos closes generosos de Capra) e enfrentar policiais que frequentam a casa e também o seu irmão criminoso (também desajustado, feito por Massey e referenciando filmes de terror europeus) que está retornando ao lar.
Este Mundo é um Hospício
Essa mistureba compôs a trama da peça homônima da Broadway da qual o filme é extraído. Lançado assim que a obra saiu dos palcos, precisava mesmo de mãos como as do diretor ítalo-americano, especialista em acelerar diálogos, criar ritmo nas cenas a partir de mudanças na velocidade dos cortes e das tomadas e, como era desejado pelo público americano da época (angustiado pela Segunda Guerra), não tirar o foco na fé e na bondade humana, passando a sensação de que tudo irá acabar bem. Capra poderia investir nos famigerados musicais: ainda bem que optou por criar suas obras de arte no drama e na comédia.
Os momentos de talento da direção aparecem apenas algumas vezes nesse Capra menor, quase sempre associados a closes: algumas feições de Grant (Dean Martin queria tanto ser ele quanto Jim Carrey queria ser Jerry Lewis) e sobretudo um em Lane, no qual o som é completamente retirado, dando um clímax de tensão que dura três segundos e valem o filme todo.
Também é delicioso ver Peter Lorre, do espetacular M, o Vampiro de Dusseldorf (do, na minha opinião, melhor cineasta de todos os tempos, Fritz Lang); esse baixinho ator alemão de olhos de coruja, fazendo cinema em Hollywood nos anos 1940, ajuda a imprimir humor e posicionamento político ao filme.
Negativas
Entretanto, é um pouco longo: esse detalhe pode cansar um pouco olhares contemporâneos. De todo modo, o ritmo acelerado de falas e imagética segura o todo e o deixa degustável. Muito calcada na peça, a narrativa cheia de mirabolâncias deixa coisas em aberto no fim e termina abruptamente; Cary Grant, carismático, segura tudo durante quase todo o tempo (só há uma sequência em que ele não aparece) e, apesar de excessivamente careteiro (não combina muito com seu aspecto físico, meio durão e estático), consegue prender a atenção com sua dicção ritmada e de velocidade precisa (sempre foi sua maior virtude).
Não é o trabalho mais famoso deste ícone da direção no cinema, mas Capra, surfando nas experiências do teatro grego, de obras de Shakespeare e de Hitchcock e de um humor retirado da morte típico dos anglófonos, faz-nos divertir e renovar nosso prazer em ver filmes. Esse eu recomendo, porque este mundo é um hospício.