Free Guy: Assumindo o Controle – comédia de aventura

Filmes inspirados em videogames costumam ser uma grande bosta. O que funciona num Playstation dificilmente funciona num Cinemark, e Hollywood ainda não entendeu direito como adaptar essas obras. O que não explica o sucesso do Twitch, que é basicamente um grande streaming de pessoas jogando videogames. Mas é meio aí que o novo filme de Ryan Reynolds, Free Guy, acertou em cheio: não é um filme de joguinho, mas um filme sobre joguinho.

Começando pelo personagem principal, que é um NPC (non-player character), alcunha que já é conhecida entre nós, nerds que adoramos essas porcarias, mas nem tão difundido por aí, a Fátima Bernardes não comenta no Encontro, e dificilmente cairia no ENEM. NPCs são personagens de videogame que não são controlados por outros jogadores, mas sim por uma inteligência artificial nem sempre tão inteligente assim.

Free Guy
Ryan Reynolds em Free Guy

Matrix de videogame

Quando você entra em um servidor de GTA num final de semana, há uma dezena de jogadores apenas. O resto são todos “habitantes” locais, só estão lá para serem roubados, assassinados, atropelados, espancados, ou chamados para dar um rolê de carro enquanto o jovem virgem de pau na testa tenta fazer sexo com ele (GTA é um jogo muito cringe, pensando bem).

A grandiosíssima sacada do filme foi colocar esses habitantes (os NPCs) como personagens principais do filme. Mais ou menos como se fosse um Matrix, mas ao invés de pessoas de verdade que são usadas como baterias, são só pedaços de código para servir de diversão.

Sendo eu um entusiasta da teoria científica séria (tem até estudos científicos aprofundados no tema) de que todos vivemos em uma simulação, a premissa me conquistou na hora. Se há um defeito, porém, é que o filme pega muito leve na parte filosófica da coisa – quase nada, na verdade. As implicações dos personagens serem meramente códigos de programação são praticamente nulas. Mas isso é meramente uma frustração pessoal, em nenhum momento é foco do filme. Não posso reclamar dele não cumprir uma promessa que nem foi feita, preciso cortar esse parágrafo na edição.

Free Guy
Jodie Comer

Rodando no máximo

O foco do filme é mesmo comédia e ação. As piadas e explosões são quase ininterruptas e isso é um grande elogio, é claro. É divertidíssimo ver os personagens tendo diálogos e reações normais enquanto o mundo está acabando ao redor deles, tal qual fazem os NPCs dos jogos ou a milícia do Rio de Janeiro.

Essa identificação com o que acontece de verdade nos videogames é a grande base do humor do filme, então imagino que, para quem não joga joguinhos, uma boa parte do humor passe simplesmente despercebida. Porém, as gags são feitas de forma tão orgânica que não deve causar nem um sorriso sem graça: a piada está lá, mas se você não sacar, não vai fazer diferença.

Isso é um grande mérito do roteiro: os personagens são interessantes e empáticos o suficiente para não precisarem de grande contexto para a história funcionar. As cenas de ação são bem feitas, baseadas na tranquilidade de não precisar se prender na física de verdade, afinal, é tudo um videogame. E tem o Ryan Reynolds, que se achou já faz tempo na comédia e é um dos grandes atores do gênero na atualidade (eu não me importo com o que você ache, ele é sim).

Ryan Reynolds e Lil Rel Howery

Free Guy: Show de fan-service

No último ano, por decorrência de um incidente global que me obrigou a ficar trancado em casa por meses (não sei se vocês ficaram sabendo de algo do tipo), montei um grupo com amigos na intenção de jogar videogames nos horários que deveríamos estar no bar. O resultado é que jogamos videogames demais, praticamente todas as noites, todos os tipos de jogos, passando todo tipo de raiva possível.

Assim, os diversos atrasos que a pandemia trouxe ao filme certamente melhoraram minha experiência: eu fui capaz de identificar alguns streamers de twitch e, depois de ter lido um livro sobre a história da Rockstar, produtora de GTA (que virou até um filme com Daniel Radcliffe), consigo entender que a vida tóxica de uma empresa produtora de games não é apenas com o intuito de piorar a imagem do vilão, vivido pelo pegador Taika Waititi.

O resultado é o mais perto que jamais chegaremos de ter um bom filme do jogo GTA, um jogo quase impossível de se adaptar às telonas (a Rockstar mesmo parece saber disso e, por isso, nunca vendeu os direitos cinematográficos da franquia). Diversas outras franquias também fazem sua pontinha, sejam com armas icônicas de seus jogos, portais, apetrechos, missões ou design de produção.

Mas é inegável que a maior inspiração está mesmo em GTA. Quem já conhece o jogo certamente vai curtir mais, mas a história é tão bonitinha e bem feita que o filme deve agradar até mesmo quem não é fã de videogames.

Free Guy
Taika Waititi, Utkarsh Ambudkar e Joe Keery

Game over

Nem tudo é perfeito, é claro. É vergonhoso que uma empresa daquele tamanho não conheça o conceito de repositório de código ou de backups na nuvem. E programadores também não são nem de perto tão bonitos quanto o filme faz parecer. Eu juro que não são mesmo, tô há 20 anos nessa área.

Mas pode ir assistir Free Guy tranquilamente e levar sua/seu namorada(o). A metade menos gamer do casal provavelmente não vai entender por que a outra está rindo em algumas cenas, mas o saldo final vai ser bem positivo.

Free Guy

Nome Original: Free Guy
Direção: Shawn Levy
Elenco: Ryan Reynolds, Jodie Comer, Taika Waititi, Dwayne Johnson, John Krasinski
Gênero: Ação, Comédia, Ficção Científica
Produtora: 20th Century Studios
Distribuidora: Walt Disney Studios
Ano de Lançamento: 2021
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