How to with John Wilson – A Natureza muito humana de John Wilson

A série da HBO que estreou em 2020 é uma comédia documentário que foi sucesso de crítica

Um tempo atrás eu recebi a notícia de que o humorista Nathan Fielder estava produzindo alguma série para a HBO. Ao mesmo tempo que fiquei extremamente animado, veio a decepção: ele não estrelaria a série, seria apenas o produtor. Guardei no meu âmago essa informação pensando que daria pelo menos alguma atenção à série quando ela fosse lançada.

Aí tive um monte de trabalho, cabines, estourou uma pandemia, teve mundo acabando, essas coisas todas e eu simplesmente apaguei da minha cabeça essa lembrança de que Nathan Fielder estava trabalhando em algo novo.

How to with John Wilson

“Você vai adorar essa série”

Umas semanas atrás, uma amiga me mandou uma mensagem recomendando o que seria “uma série que é a sua cara”. Era uma série documental que tinha acabado de estrear na HBO e o episódio de meia hora que me foi recomendado era sobre andaimes.

Eu fiquei imediatamente fascinado. Um programa que convence a usar meia hora de horário de TV (“it’s not TV; it’s HBO”) para falar sobre um assunto tão tolo, me ganhou na hora.

A série é “How to with John Wilson” e, naquele momento, tinha acabado de lançar seu segundo episódio “How to put up scaffolding”. Não foi muita surpresa descobrir que era aquilo que Nathan Fielder estava produzindo, afinal.

Em “How to…”, não há um apresentador, não há infográficos, não há jornalistas falando em direção à câmera e, quando há entrevistas, o entrevistado fala diretamente para o entrevistador do outro lado da câmera. A série é um punhado de imagens gravadas por John Wilson na cidade de Nova York interligadas por um texto esperto e cheio de metáforas visuais. Os temas são os mais estúpidos possíveis e servem apenas como base para cada episódio tomar uma direção meio surpreendente e meio absurda – no episódio citado, por exemplo, Wilson é expulso de uma convenção de andaimes.

A complexa visão de John Wilson

Até me dói a cabeça imaginar quantas milhares de horas de gravação foram editadas para gerar cada episódio. Em um deles, “Como dividir sua conta”, John Wilson começa mostrando várias sequências de pessoas em restaurantes recebendo aquela terrível notinha dotada de matemática própria, com o saldo final da refeição. Como é possível que uma cena tão comum se torne hipnotizante quando vista do ponto de vista de Wilson?

Esse é, com certeza, o maior mérito da série: achar poesia no cotidiano, tornar atrativo o mundano. John continua filmando enquanto anda pela cidade, abrindo portas, pegando metrô, indo ao mercado, fazendo compras… Sempre com o tema indo e vindo de suas andanças. Nesse mesmo episódio, de como dividir uma conta de restaurante, John entra numa loja de materiais para árbitros, afinal, de acordo com sua (quase) infalível lógica, juízes seriam as pessoas mais justas para tal tarefa.

É, de alguma forma assim, que John vai parar em um jantar da sociedade de árbitros, com a desculpa de estudar o comportamento de pessoas justas quando a conta chega. O resultado, sem spoilers, é simultaneamente cômico e extremamente humano.

How to with John Wilson

A humanidade de John Wilson

Essa é a humanidade crua que lembra ligeiramente o trabalho anterior do produtor Nathan Fielder. Com uma diferença bem forte: enquanto em “Nathan For You“, o apresentador age como o catalisador que faz as pessoas se abrirem, em decorrência da existência de um plano maior do que elas, John Wilson é um mero espectador. Porém, o seu legítimo interesse nas pessoas e no que elas têm para mostrar, faz com que elas se desnudem (às vezes literalmente) e entreguem seu íntimo no documentário.

Quando entrevista outras pessoas, o resultado é quase sempre cômico, mas nunca por usar o entrevistado como alvo. Na maioria das vezes, é o próprio absurdo da situação, como ver alguém respondendo que não tem uma opinião forte sobre andaimes (e porque nunca alguém me entrevistou com uma pergunta interessante como essa?). John nunca faz piada ou desdenha do entrevistado, mas deixa que eles falem e se abram e muitas vezes o humor vem naturalmente.

O maior exemplo é no episódio “Como encapar seus móveis”, na minha opinião, o melhor deles, empatado com o episódio final. Em determinado momento, John Wilson está no porão da residência de um homem que reconstrói prepúcios, a câmera exibindo em close o pênis do sujeito enquanto ele explica a técnica. A relação com tema do episódio está clara: se a ideia é encapar coisas, aí está o processo detalhado de como encapar uma piroca. O fato desse elo existir não torna as coisas mais amenas. Por que esse homem está orgulhosamente mostrando seu pênis na HBO?

A resposta é tão simples que chega a ser inocente: ele ama prepúcios. Ele compõe músicas para prepúcios, ele estuda e desenvolve técnicas para tratar de prepúcios. E ali está ele, com uma audiência legitimamente interessada em algo que é sua paixão. E ele não só se orgulha da entrevista, de mostrar a rola globalmente como ainda usou o twitter para recomendar o próprio programa.

A paixão de cada um

E quem pode julgá-lo? Todos temos uma ou outra paixão, algum tema que falaríamos por horas se ninguém nos interrompesse. Para alguns é vegetarianismo, religião, esportes ou política. Para outros é sobre risoto, funcionamento da memória, andaimes ou prepúcios. Provavelmente eu renderia um excelente episódio se o assunto fosse países inexistentes, filmes da Pixar, ou gruas.

Todos nós temos nosso ponto de loucura, nossa obsessão doentia que se mantém afundada em nosso âmago simplesmente porque ninguém conseguiu chegar ao ponto de desenterrá-la.

Nathan Fielder parece ter um dom para puxar isso das pessoas. Suas duas séries são de propostas tão diferentes, mas com resultados tão semelhantes: são extremamente humanas, mesmo não sendo esse o ponto central. A relação de Nathan com a série fica clara com um recente vídeo colocado no youtube do humorista falando de “How to…”: o vídeo toma um caminho ridículo e desconfortável, mas que não é surpreendente, dado o histórico do comediante.

How to with John Wilson” foi um compreensível sucesso de crítica, e, mesmo sem grande repercussão de audiência, foi renovada para uma segunda temporada. A primeira temporada tem somente seis episódios, sendo o último extremamente atual e sensível, mostrando a pandemia de 2020 pelas lentes malucas do diretor.

É, na minha opinião, a melhor série de 2020, e isso diz mais sobre mim do que sobre a série.

Nome Original: How to with John Wilson
Elenco: John Wilson, Cynthia Larson, Ron Low
Gênero: Documentário, Comédia
Produtora: Blow Out Productions
Disponível: HBO

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