Noites de Alface – Rolê na casa da vó
Não é nenhum segredo para quem lê minhas críticas por aqui que eu sou um baita de um vendido. Dou nota alta para filme se servem uísque na cabine de imprensa, posso mudar minha opinião se recebo mimos, e elogio se tem a Lily James atuando, nem que seja para interpretar a Pamela Anderson. Por isso, já fui assistir ao filme Noites de Alface esperando que eu fosse gostar.
Não só eu adoro o livro como também sou um grande fã da autora, uma das melhores cronistas do cotidiano da atualidade. Vanessa Barbara escreve com uma leveza e espirituosidade raras e o livro é recheado de frases reflexivas e conceitos abstratos.
Por isso, adaptar uma obra dessas não é tarefa simples: a história é quase um detalhe, a melhor parte do livro é o retrato da vida daqueles idosos, o aconchego de acompanhar uma rotina que parece tão próxima.
Noites de Alface – Aventuras no grupo de risco
Livro e filme se metem no cotidiano de velhinhos: os personagens principais são idosos do tipo que acordar às 9h é sinal de que dormiram até tarde. São aposentados cuja única preocupação na vida é acertar a receita da compota e bisbilhotar a vida alheia.
É nesse ponto que o filme consegue ser empático: o brasileirinho da geração X vai se identificar com os cenários de casa-de-vó, com toalhas bordadas em cima de eletrodomésticos e a pia com bancada de azulejos. A personagem Ada (Marieta Severo) parece ter mais idade do que os 74 anos da atriz – ou talvez sejam as minhas memórias de minha avó que a julgaram assim.
A película se mantém mais focada em Otto (Everaldo Pontes), e é do ponto de vista dele que tudo se desenrola. Os eventos vão e voltam, com inesperados flashbacks que aparecem sem avisar e se metem no meio da trama. Isso causa uma confusão que parece ser proposital, numa espécie de “The Father” tupiniquim, fazendo com que a grande diversão seja o telespectador tentar montar uma história a partir de todos os pedaços que lhe são dados.
Poesia do tédio
Infelizmente, as cenas cotidianas, que são a parte central do livro, ficam meio cansativas na tela.
O diretor Zeca Ferreira tenta adaptar uma obra de deliciosa poesia para cinema, mas é um trabalho muito ingrato. Tudo fica parecendo sutil demais e o enredo central, que envolve o sumiço de um carteiro e uma investigação policial, demora para aparecer e engatar.
Há muitos acertos e incontáveis versos visuais e auditivos ligando as cenas. A impressão que dá é que o filme é uma ode ao livro, um convite a desfrutar do material original. Faltou um pouco de esperteza na adaptação do roteiro para cortar alguns personagens e aprofundar mais em outros. Isso faria a história chegar mais rápido e talvez entregasse um pouco mais de cenas focadas no casal principal, em ótima sincronia.
Comfort movie
Mesmo com os defeitos, o filme é delicioso. O tédio e a lentidão parecem, afinal, parte do que o torna tão familiar: soa como passar uma tarde de final de semana na casa da vó em qualquer bairro de periferia, onde ainda existam casas com muros baixos, chão de caquinhos de cerâmica e jardins despretensiosamente bem cuidados.
Para achar o ambiente ideal, as gravações tiveram que ir para a ilha de Paquetá, já que o bairro do Mandaqui, principal local de inspiração da escritora Vanessa Barbara, já foi gentrificado e adulterado o suficiente para a história. Ainda assim, a sensação de conhecer aquelas casas e aqueles personagens permanece e o principal sentimento passado é de nostalgia.
Mas, como eu alertei lá no começo, pode ser que essa sensação ressoe especificamente comigo por conta da relação bonita que eu tive com o livro. Eu já comecei a assistir o filme com a ideia de gostar dele. Pelo menos não saí decepcionado.
https://www.youtube.com/watch?v=GwsTd1JADWc&ab_channel=AfinalFilmes