Onoda – 10 Mil Noites na Selva

Um prazer enorme assistir a este Onoda, que nos faz passar quase três horas presos a ele e nós não percebemos: um fiel herdeiro da melhor tradição japonesa de se fazer cinema (apesar do diretor ser francês). Pois sim, aqui temos: poesia visual, contemplação ambiental, música incidental atmosférica, atuações requintadas e simplicidade eficiente.

Hiroo Onoda (Endô quando jovem e Tsuda, mais velho) se forma numa tropa de elite japonesa durante a Segunda Guerra Mundial, e é enviado por seu comandante a uma ilha nas Filipinas, com o intuito de protegê-la dos ataques americanos. Enquanto lá, liderando um grupo de soldados e enfrentando desde a desconfiança do grupo no início por ser jovem até toda a sorte de penúrias que a selva naturalmente impõe, ele não percebe, por falta de comunicação gerada pelo completo abandono de seus superiores à sua missão, que o Japão capitulou. Obstinado em não desistir da missão e mesmo negando sinais enviados pelo ambiente ao redor de que a guerra terminou, ele prossegue guerreando, solitário com seus homens, durante anos.

Onoda - 10 Mil Noites na Selva

Onoda – 10 Mil Noites na Selva

Lendo assim, obviamente Dom Quixote vem à mente: um infante de uma batalha imaginária, convencendo-se de que cada pessoa que vê é um inimigo à espreita e em potencial, Onoda se tornou o último soldado japonês a se manter na guerra. Alguns dos momentos mais emocionantes do filme são justamente aqueles em que nós, sabendo que de fato o Japão sucumbiu, angustiamo-nos ao não poder avisá-lo do fato. Entretanto, podermos entrar nas choupanas úmidas e na miséria desse soldado só foi possível porque a atuação de Endô e de Tsuda são sublimes. Seus rostos amargurados pelo sofrimento e pelo prolongado retesamento físico mostram a perda gradual de viço (parabenizo aqui o excelente trabalho de maquiagem). A direção de Harari (Diamond Noir) é de um pulso firme que exala solidez. Há pelo menos duas cenas de luta corpo a corpo que são bastante viscerais, à moda do Actors’ Studio.

O filme é quase todo filmado ao ar livre, o que causa uma dificuldade para a fotografia, mas os tons naturalmente esverdeados são valorizados, e também nesse quesito tudo corre a contento.

O projeto seria certamente aceito por Kurosawa: um drama biográfico de busca prolongada pelo “samurai” moderno narrado quase como um conto, sendo na verdade um filme de época. A perda de afetividades ao longo de todo o desenrolar da narrativa e o apego a subterfúgios para manter a sanidade são obrigatórios para que o que vemos tenha sentido enquanto proposta cinematográfica, e sendo assim é o dramático que comanda toda a ação.

Onoda - 10 Mil Noites na Selva

Considerações finais

Por fim, deixo aqui uma observação: o que me preocupa sempre, em tramas como essa, são os saltos de tempo entre atos. São inevitáveis nesse caso, e é compreensível; cabe a você que assistirá ao filme decidir se os gaps temporais abandonam Onoda num momento de sua trajetória e caem em um outro Onoda que ainda tenha vínculos visíveis com o Onoda anterior. Se você considerar essas transições bem ajustadas, então a satisfação provavelmente será garantida.

Recomendo assistir. Um filme bonito e plástico, um tipo de cinema que está atualmente em hibernação mas não está morto, como nenhuma escola cinematográfica estará: o drama de guerra.

Onoda - 10 Mil Noites na Selva

Nome Original: Onoda, 10 000 nuits dans la jungle
Direção: Arthur Harari
Elenco: Yûya Endô, Kanji Tsuda, Yûya Matsuura, Tetsuya Chiba
Gênero: Drama de Guerra
Produtora: Bathysphere Productions
Distribuidora: Imovision
Ano de Lançamento: 2021
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