Peterloo, ou “Discursos Políticos – O Filme”
A Amazon Studios está confirmando sua obsessão com a cidade de Manchester com o lançamento de Peterloo, do diretor Mike Leigh. O filme retrata um evento histórico importante e praticamente desconhecido da cidade inglesa: o ataque armado da cavalaria real em uma multidão que fazia um protesto na praça de St. Peter, em Manchester, em 1819.
Depois do fim das guerras napoleônicas, na batalha de Waterloo (o termo Peterloo, inclusive, surge como uma alusão a essa batalha), a Inglaterra vivia um momento de desemprego, declínio econômico e fome. A população queria uma reforma parlamentarista (porque tem que mudar isso tudo aí, táokey?), então se uniu e marcou um protesto em uma segunda-feira, 16 de agosto, se reunindo para gritar que não é só pelos 20 centavos.
O protesto corria pacífico, sem a presença de black-blocks; mas quem faz protesto de segunda-feira é vagabundo, cadê o povo trabalhador? Então a cavalaria real chegou descendo o cacete nos revoltados, matando 15 pessoas e deixando algumas centenas feridas.
Peterloo, o filme
O fã de cinema médio pode acreditar que tais eventos não seriam o suficiente para render um filme. O fã de cinema médio está certíssimo. As longas duas horas e meia do filme mereciam um trabalho ofensivo de edição e era plenamente possível tirar uma hora sem prejudicar o longa. Talvez com a consciência de que sua obra era cansativa, Leigh encheu o meio do filme de discursos políticos enfadonhos, dando a oportunidade do público tirar um gostoso cochilo antes do início do ato final – oportunidade essa que foi devidamente abraçada pelos críticos presentes na cabine de imprensa do filme.
O começo do filme dedica um bom tempo situando o espectador na Inglaterra do século XIX. Mas isso nem chega a ser um problema, já que é deveras interessante ver o proletariado inglês lutando para sobreviver. O que cansa são realmente os diversos discursos que preenchem o filme de forma incrivelmente tediosa. São tantos, de tantos personagens diferentes que, se colocassem o Boris Casoy ali no meio, a produção poderia ser confundida com um debate eleitoral da RedeTV!.
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Um dos fatores que diferenciam a obra de um debate é a linda edição de imagem. Sem saturação, com presença forte de tons pastéis, e montagem de cena e iluminação caprichadas, que fazem cada frame parecer uma pintura barroca. Outro fator é a falta de personalidade dos personagens: ao contrário dos debates que estamos acostumados, nenhum personagem se destaca na história – ninguém late no meio de uma pergunta ou tem um bordão pegajoso como “Glória a deush” -, e nenhum ator tem uma atuação marcante. Não que alguém faça um trabalho ruim, mas discursos políticos não costumam ser tão emocionantes assim – salvo honrosas exceções (que o diga Colin Firth e Gary Oldman).
Meus destaques pessoais na atuação seriam para o Henry Hunt de Rory Kinnear (mas por ser uma das poucas figuras históricas que eu sabia quem era) e o garoto Joseph de David Moorst (mas por ter uma expressão silenciosa de compaixão raivosa em toda cena, como se sua perna tivesse ficado presa em uma armadilha de urso no meio de uma biblioteca).
Uma reunião que poderia ser um e-mail
Sua longa duração acaba sendo o maior defeito da obra, e ao sair da sala de cinema, fica a impressão que o filme não perderia nada se fosse um curta-metragem ou um documentário dramatizado da Netflix. Uma pena, já que o começo dele estabelece um retrato do cotidiano da Inglaterra do começo do século XIX muito bonito e bem executado.
Os eventos de Peterloo foram importantíssimos, e ainda o são, já que é sempre possível fazer paralelos de fatos históricos com o cotidiano em que vivemos. Mas o filme é cansativo, apesar de parecer cair bem num sábado à tarde como uma daquelas coisas que você deixa passando na TV enquanto faz outra coisa. Talvez o que faltou mesmo foi algo pra me entreter enquanto os personagens clamavam impropérios contra o parlamento em pubs ingleses.
Peterloo entra em cartaz dia 12 de setembro.