Shadow – tipo um Shakespeare chinês

O diretor chinês ZhangYimou não precisa provar mais nada para ninguém faz tempo. Depois de “O Clã das Adagas Voadoras” e “Herói“, ele já estava com o nome bem estabelecido na história do cinema mundial, podia se aposentar e viver de renda. Talvez por isso, seu novo filme, “Shadow” é uma história bem menos ambiciosa se comparada aos projetos passados do reconhecido diretor.

Lançado em 2018 e chegando bem atrasadinho no Brasil, este é um filme em uma escala menor de suas obras anteriores: bem mais intimista, com lutas e batalhas menos épicas e até os cenários são mais contidos. O que não quer dizer que o filme seja ruim.

Shadow – Laços de Família

A história começa meio bagunçada. Por ser todo mundo chinês, pode parecer uma piada fácil dizer que é natural se confundir nos personagens, entender quem é quem, saber onde fica cada reino, mas história confusa parece ser coisa que chinês adora mesmo.

E a baguncinha gostosa é realmente parte da diversão, pois o ato final une todas as pontas e é próximo da perfeição, juntando os arcos de todos os personagens em uma tragédia grega, daquelas que poderiam ter sido escritas por Shakespeare se ele fosse chinês e mais ligado em lutas de espadas.

As coreografias, marcantes nos filmes de Zhang, também não decepcionam e são bem bonitonas, aproveitando como sempre os elementos naturais para enaltecer os movimentos – o negócio da vez é a chuva: chove o filme inteiro como se ele tivesse sido filmado na Irlanda, mas lá na costa oeste, onde tem os desfiladeiros e vilarejos, tudo bem fofo.

Briga de guarda-chuva

Indo para o aspecto pessoal da obra e o principal motivo pelo qual ela ressoou tão bem comigo: briga de guarda-chuva. Sim, eu sou um entusiasta do inóspito mundo dos guarda-chuvas, gastei uma quantia meio ofensiva de libras numa loja da James Smiths & Sons uma vez porque me convenci do investimento que seria ter um guarda-chuva de qualidade e não me arrependo, mesmo com a complexa engenharia que foi trazer um guarda-chuva para o Brasil.

O filme, porém, leva a briga de guarda-chuva a outro patamar. Guarda-chuvas com lâminas afiadas é o próximo nível, caso você esteja se perguntando.

Isso é mais até do que fez o major britânico Allison Digby Tatham-Warter, que levou um guarda-chuva para a Segunda Guerra Mundial, em parte porque ele tinha dificuldade em lembrar as senhas de batalhão e ele acreditava que todo mundo ia saber que só um inglês seria tolo o suficiente para levar um guarda chuva ao campo de batalha. Ele não tinha assistido Shadow, certamente. Uma vez, o major Digby estava numa cidade sitiada quando viu um chapelão saindo de uma igreja cercada de inimigos. Ele foi até o pobre homem ajudá-lo a fugir dali em segurança. “Não se preocupe com os tiros,” – teria dito ele – “eu tenho um guarda-chuva!”. Há ainda boatos de que ele rendeu um tanque de guerra alemão só usando o guarda-chuva, mas até eu acho isso um exagero, e olha que eu estou há três parágrafos enaltecendo o uso do equipamento.

Se há um defeito nos guarda-chuvas do filme, porém, é a ausência da curvatura no cabo, eu particularmente acho um charme, além de útil para pendurar o apetrecho.

Crítica especializada

Com 94% no Rotten Tomatoes, a crítica especializada em cinema curtiu bastante o filme e é legal mesmo. O diretor Zhang talvez venha a gostar de saber que, afirmando em nome da crítica especializada em guarda-chuvas, a gente também gostou bastante do filme, principalmente do protagonismo do nosso apetrecho climático favorito. O filme coloca os guarda-chuvas nas mãos dos heróis de uma forma tão bonita e fluída de forma que não era vista desde Kingsman: Serviço Secreto. É bem melhor que qualquer filme do Resident Evil, que tem como grandes vilões a Umbrella Corporation.

Uma tragédia chinesa, de fotografia linda, coreografias bem feitinhas, um pouco confusa mas que cresce seu tom depois que os guarda-chuvas entram na história. Shadow é recomendado para ir ver em um dia de chuva.