1899 – 1ª temporada

Série renega o próprio enredo em prol de reviravolta que não chega em lugar nenhum

Não tem como falar sobre 1899, essa nova história dos criadores de Dark (uma obra-prima moderna, que faz jus ao legado de Lost), sem entrar no terreno de spoilers, portanto fica aqui o aviso.

Com uma produção suntuosa digna de cinema e atores empenhados em suas entregas, 1899 mais parece um apanhado do algoritmo da Netflix, que mistura diversas ideias da ficção científica em um caldeirão onde, o que deveria ser surpreendente, é apenas tosco em sua execução. Mas voltemos ao começo, para eu me fazer entender: vendida como um thriller de época, situada em um navio que se depara com outro, abandonado e com passageiros desparecidos, a nova série da Netflix logo começou a apresentar similaridades com um filme de 2009, Triângulo do Medo. O caso do suposto plágio da HQ de Mary Cagnin não será comentado, pois a investigação ainda segue em curso, quando essa resenha foi publicada.

A ideia de envolver certos elementos, como uma embarcação multicultural de europeus imigrando para a América no período do título, tinha um potencial imenso, ainda mais quando relacionado com o símbolo do triângulo (Triângulo das Bermudas, talvez?), enquanto apresentava seus personagens através de riquíssimos flashbacks, tal qual Lost já havia ensinado a fazer. Dessa maneira, relacionava-se os backgrounds com a trama no navio, que tinha seus próprios mistérios e estranhezas. A mistura funcionou até o quinto episódio, quando então a dupla Baran bo Odar e Jantje Friese resolve apelar para a tão famigerada “reviravolta”.

1899

1899

O que em Dark funcionou, aqui tem o efeito oposto. Se na série anterior as reviravoltas acertavam o coração do público justamente por entregar novas informações dentro da própria premissa, aqui eles optam por trair a narrativa em prol de outra. O que também não seria problema de maneira alguma, como provado em O Operário, Ilha do Medo e Vanilla Sky, só para citar alguns dos diversos exemplos que Hollywood já nos ofereceu quando se tratava de uma realidade simulada ou de um experimento social. Matrix, em 1999 e um dos meus filmes favoritos de todos os tempos, já havia mostrado o caminho a trilhar nesse discurso.

Porém, o erro fato de 1899 não reside na mudança de tom ou de tema, e sim na traição à sua narrativa e personagens. Nessa série, descobrimos backgrounds riquíssimos (o abuso de uma moça, o soldado traído na guerra, o homem que perdeu a família num incêndio etc.), que são mostrados e revisitados ao longo dos episódios, para depois, no terço final, ser completamente abandonado pela própria história. Ou seja, nada do que foi revelado, tem importância para a “trama principal” (que se trata de uma chatérrima fuga daquela condição simulada, a fim de se chegar ao “mundo real”).

1899

E agora?

Temos aqui um erro grave de roteiro, onde os autores claramente não sabiam o que fazer com a outra temática de sua produção, que era a ficção científica, que era a simulação, que era esse tratamento visual com janelas no espaço (Fronteiras do Universo e Torre Negra já falavam disso vinte anos atrás e fizeram melhor). A história trai a si mesma, sai do nada para lugar nenhum e quando chega lá, não sabe o que fazer, abandonando todas as subtramas criadas até então.

A série coloca personagens perdidos em suas próprias tramas, fazendo perguntas que o público já obteve respostas. Respostas amargas, de um cenário desinteressante. Figuras que andam para lá e para cá, vão e depois voltam e ficam nisso por vários episódios. Ou daqueles personagens, que tinham sido apresentados como fundamentais à narrativa, mas são mortos sem mais nem menos, deixando não o espectador em choque, mas desapontado pelo desperdício aleatório.

Claramente os autores da série precisavam atingir a cota de 8 episódios, em uma história que poderia se encerrar em seis, ou até menos. Enrolam o público por três episódios onde nada acontece. E quando acontece, tem a pretensão de ser algo incrível e arrebatador, mas é apenas chato. Não tem nada de difícil ou complexo em suas decisões. Mais uma vez: um desperdício de tempo, produção e elenco, que são ótimos. Mas suas histórias são deixadas de lado a troco de nada.

https://www.youtube.com/watch?v=hxGXPirkFGU&ab_channel=NetflixBrasil

Nome Original: 1899
Elenco: Emily Beecham, Aneurin Barnard, Andreas Pietschmann, Miguel Bernardeau
Gênero: Drama, História, Terror
Produtora: Dark Ways
Disponível: Netflix
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