O Mecanismo – 2ª temporada – Suspense de primeira
Produção apartidária segue trabalhando seu suspense de primeira
“Mas o que me movia nessa história, a melhor coisa que eu fiz, foi esquecer o tempo, esquecer a ideologia, e pensar única e exclusivamente no mecanismo…”. Com essa frase, Ruffo indica o viés mais evidentemente imparcial da produção. O Mecanismo – 2ª Temporada foca na trajetória de seus personagens, trabalhando tanto as missões que precisam cumprir, quanto o lado pessoal de cada um.
Depois de expor como foi o início da Operação Lava-Jato na primeira temporada, o que culmina com a prisão dos empreiteiros (menos um, o maior), a segunda segue a narrativa certeira da primeira, que é ao mesmo tempo um suspense político e policial, sem perder a construção crua comumente encontrada no cinema nacional, que o torna tão característico.
O Mecanismo – 2ª Temporada
José Padilha mantém a estrutura de antes, mas deixa o pano político de fundo, para explorar seus ótimos personagens. Dessa maneira, o Marco Ruffo do sempre singular Selton Mello, continua a decadência de sua existência após os eventos mostrados na temporada anterior, com sua obsessão inabalável por Ibrahim (do excelente Enrique Diaz) que dispõe de menos tempo em tela, mas pelo menos é responsável por uma primeira metade honestamente eletrizante, que culmina em uma esperada tragédia na Ponte da Amizade.
Carol Abras fica ainda mais a vontade do que antes, dividindo o protagonismo com sua inabalável Verena. Ela não só dá novos passos em um relacionamento amoroso, como também ousa e arrisca mais nas ações, que podem culminar em um contexto político mais avassalador. Já que em O Mecanismo – 2ª Temporada é finalmente abordado o Golpe na presidente. Além das artimanhas dos políticos envolvidos nisso e a questão do triplex do ex-presidente, que culminou com a derrocada de um partido, a ascensão de outro, e que dividiu o país…
E também o elenco, já que muitos personagens se mostram claramente incomodados com os rumos da PF. Caras como Vander, por exemplo, só conseguiram ter uma oportunidade na vida, por conta do último governo. O procurador Claudio, em contrapartida, parece saborear cada conquista contra a dupla de esquerda. É como se representasse a figura do cidadão de direita.
Dividindo o país
Essa polarização é trabalhada em segundo plano e de maneira mais cuidadosa do que na primeira temporada. Evidencia a isenção da produção em prol de uma narrativa que aproveita-se destes eventos conhecidos do público para incitar uma discussão sobre conceitos políticos, como se para expor a verdade dos fatos através da ficção. O juiz Rigo dá por aqui os primeiros sinais de vaidade e de perseguição política (ao invés de se focar somente na justiça, como até então havia feito). Em certo momento, é questionado pela filha: “Você quer virar político, papai?”, no que ele nega, mas sabemos o que vem a seguir.
Enquanto isso, uma importante morte balança os principais personagens; Verena vai assumindo gradualmente as rédeas do enredo, substituindo a obsessão de Ruffo por Ibrahim, pela dela por Ricardo Bretch, uma figura fria e calculista que sabe demais e não está mais disposta a pagar pelo pecado de vários outros, e se quebra no último minuto. Então um evento desproporcional se assoma no horizonte: o impeachment de Janete e a escalada do vampirão Thames.
Durante a dicotomia no congresso, com votos contra e a favor do processo, a voz de um parlamentar encerra o assunto com uma frase aberrante. Os personagens ali ainda não teriam ideia, mas o espectador já compreende: “Brasil acima de tudo, Deus acima de Todos”. Ou seja, preparando o terreno para o próximo cenário brasileiro, com um vilão ainda pior que Gino e Thames (afinal, é assim que funciona toda trilogia, não?). “A opção do PT matou a esquerda. E com a direita fisiológica e desonesta entrando na mira da Lava-Jato, formou-se um vazio bem perigoso. Um vazio que poderia ser preenchido pelas forças repressivas de um passado não muito distante”.
O Mecanismo – 2ª Temporada e alguns aspectos técnicos
No mais, ainda que toda a rica fotografia e a bela direção de arte e edição de som consigam construir sobre a plástica da série, permitindo que seus 8 episódios sejam rapidamente maratonados, a jornada de Ruffo perde alguns pontos com certas breguices. É compreensível a metáfora através dos castelos de cartas, mas é tão absurdo e ridículo, que soa forçado em tela. Assim como certas conclusões que o personagem tem no desfecho, como “é a ambição e o poder que comandam o país”. Não me diga!
Com exceção das pessoas que adotam políticos de estimação, de qualquer partido, a mensagem é clara. Os partidos são máfias, trabalham sempre juntos e depois devoram uns aos outros. Destroem o povo no processo, que manipulado por várias vias, defende seu lado, como se houvesse um. Mas o mecanismo é cíclico e nunca para de girar. Muda apenas as peças, mas nunca de fato o cenário real da realidade brasileira. Dessa maneira, a produção da Netflix segue sendo um retrato sincero e real da política podre do Brasil. Pois expõe sem medo todos os lados, sem assumir uma posição. Afinal, é só tomar como roteiro os próprios e assustadores rumos do país.
Um certo personagem diz enfim, ao final: “As pessoas não querem a verdade. Querem a melhor versão da história”.