Ventos da Liberdade, a história de uma fuga ousada

Como ensinado em Lisbela e o Prisioneiro (2003): “a graça não é saber o que acontece, mas como acontece”.  Sendo assim, temos aqui o ótimo Ventos da Liberdade exercitando o olhar do espectador para acompanhar o percurso dos personagens dessa história real, de final já conhecido e registrado como um dos momentos marcantes da época da divisão da Alemanha durante a guerra fria.

O filme é conduzido de um jeito surpreendente pelo especialista em comédias e produtos para a TV Michael Herbig (Bullyparade) e que mostra aqui completo conhecimento do ritmo e da sonoplastia de um thriller.

A trama acompanha as tentativas das famílias Strelzyk e Wetzel, de Pössneck, na antiga Alemanha Oriental durante o final dos anos de 1970, para fugir para o lado Ocidental através de balões. Uma primeira tentativa falha, e eles correm atrás do tempo para escapar da Stasi (o serviço de inteligência do lado oriental) e tentar novamente.

Ventos da Liberdade

Ventos da Liberdade

A ideia em si é ousada. Caso pensemos que duas famílias sem tantos conhecimentos técnicos constroem gigantescos balões costurando nos porões de suas casas tecidos em tafetá, amarrando os cestos com varais (de tal forma que eles possam suportar oito pessoas, incluindo uma criança pequena) e produzindo ar quente com botijões e tudo isso para superar a polícia da fronteira entre as Alemanhas num perigoso trajeto noturno sobre a floresta da Turíngia, entendemos que a coragem, quando surge, produz ações espetaculares e quase
milagrosas.

Peter Strelzyk e Günter Wetzel, os idealizadores do plano, formam um dual equilibrado: o primeiro, mais impetuoso e prático; o outro, cerebral, comedido e conhecedor do ferramental científico para a confecção dos balões.

Mas a dupla de protagonistas de fato é outra: o balão derradeiro e o percurso desde sua idealização até o voo. Ver o monstro abaulado e brilhante (em especial numa cena, quando comparado com as pessoas minúsculas ao seu lado, vemos suas reais dimensões) se erguendo por entre as árvores; e as interações entre os membros das duas famílias durante todo o longa, dão toque de beleza ao que se vê aqui.

Fugindo num balão caseiro

A produção de Ventos da Liberdade opta aqui por não usar tecnologia digital. Assim, os balões foram recriados para a a trama, a despeito da proibição das agências reguladoras aéreas alemãs de fazê-los subir. Segundo relatos da produção, a maior parte das cenas foi feita com os artefatos a, no máximo, três metros do chão. Isso, porém, é bem resolvido durante a filmagem dos planos.

Ambientada na cidade de Nordhalben (já que a Pössneck de hoje está excessivamente restaurada para poder relembrar os ares daquela época), a direção de arte e os figurinos se saem bem. Cabe um louvor aqui à trilha sonora e sons incidentais (a cargo de Ralf Wengenmayr) com notas alongadas e de frequência perturbadora, apoiando muito bem a tensão e o ritmo das imagens do filme. Ouso dizer que o clima pesadão não seria o mesmo sem esses elementos.

O antagonista aqui é encarnado no agente Seidel, da Stasi, com seu visual conservador de investigador. Ou seja, a tradução da visão política do atraso das instituições da Alemanha Oriental. E sua busca implacável para descobrir quem são os traidores responsáveis pelas tentativas seguidas de fuga pela fronteira pelo ar. Ele passa o filme inteiro fustigando os protagonistas, impondo a eles um ritmo acelerado de resolução dos problemas.

Ventos da Liberdade

Alemanha dividida

Entretanto, o filme é generoso ao deixar no ar uma sensação de que, nos ambientes urbanos, as pessoas do lado oriental levam uma vida comum. Não há clichês de natureza política como seria o caso se a narrativa apontasse constante opressão governamental: ele não faz isso, e aqui ele também acerta.

O diretor acerta em apostar no projeto, executado a partir de uma negociação com a Disney, detentora dos direitos da história e realizadora de uma primeira adaptação estrelada por John Hurt (Dramática Travessia, 1982); com ele, conseguiu mostrar que possui competência técnica pra produzir um filme de ação equilibrada, apoiada em boa trilha e edição de imagens e fotografia interessante.

A aventura ficou famosa e registrada como uma etapa da sucessão de eventos que eventualmente levariam à queda do Muro de Berlim. E, também por isso, vale certamente a assistência. Recomendo.

Ventos da Liberdade

Nome Original: Ballon
Direção: Michael Herbig
Elenco: Friedrich Mücke, Karoline Schuch, David Kross
Gênero: Drama, História, Thriller
Produtora: herbX Film, StudioCanal, SevenPictures Film
Distribuidora: A2 Filmes
Ano de Lançamento: 2018
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