O Traidor, representante italiano no Oscar
Cereja do bolo da pomposa festa de abertura do 14º Festival de Cinema Italiano de São Paulo (a Semana do Cinema Contemporâneo vai de 21 a 27 de novembro), com direito à presença da sempre diva Maria Fernanda Cândido, O Traidor, filme que representará a Itália no Oscar 2020, expõe na tela pinceladas da vida conturbada de Tommaso Buscetta (vivido por Pierfrancesco Favino), um mafioso com ligação brasileira: foi casado com Maria Cristina (Maria Fernanda Cândido) e viveu no Brasil, onde foi preso no começo dos anos 1980.
No parágrafo acima, aponto, citam-se dois detalhes que o filme tem como marcantes: a grandiosidade de produção (um filme locado em várias cidades de Alemanha, Brasil, Itália..) e a superficialidade do roteiro.
Bellocchio (o mais experiente diretor italiano vivo, sem dúvida, mas não necessariamente o melhor vivo, como citado na cerimônia de abertura do evento) é oriundo de uma fase hedonista do cinema italiano. Portanto, influenciados por Fellini, Antonioni e Visconti (maravilhosos, sem dúvida, mas cujas releituras se mostraram constantemente irregulares), os cineastas dos anos 70 na Bota eram adeptos de tomadas rápidas, cortes bruscos, amor pela violência estética: assista Diabo no Corpo (1986) e reflita.
O Traidor
A escolha pela biografia de um mafioso de pouca ascendência na Cosa Nostra mas que acaba por delatar vários parentes da famiglia não poderia ser mais adequada, então. A sucessão de eventos em sua vida, vivida em vários países e lidando com a polícia e com bandidos, permeada por mortes e atentados, é perfeita para o estilo de Bellocchio.
De início, o filme acelera de maneira ansiosa, querendo mostrar uma grande quantidade de assassinatos e eventos pontuais. A velocidade é tanta que fica difícil entender, na real, quem está morrendo ou por que se morre. Se isso é proposital, no sentido de colocar todas as vítimas num mesmo saco de cadáveres sem rosto, então há aqui uma glorificação da morte sem sentido. Isso acaba intensificando um caráter comercial à película.
Após isso, o filme se torna mais “falado”, e aí ele fica mais interessante. Sendo assim, com alguns elementos de humor tipicamente italianos, Buscetta se articula com o juiz que conduz seu julgamento e com seus companheiros de crime. Os momentos de júri, aí sim, fazem-nos sentir que Bellocchio ama os grandes mestre neorrealistas que o precederam (que saudades de Fellini!)
Máfia pra lá, máfia pra cá
Cansa um pouco também a quantidade de chamadas de datas e locais por onde Buscetta se enfiou. Afinal, ele ficava sempre por pouco tempo em cada um deles. Esse afã por excesso de informações exibidas superficialmente ao longo de 2h30min de filme dá a convicção de que o roteiro não deu conta de ser conciso. E essa é, talvez, a principal dificuldade do longa.
Ficam de positivo as interpretações bem legais de Favino e dos demais atores italianos, criando um contraponto à aceleração da narrativa. O elenco de apoio, como sempre nos filmes dos grandes cineastas italianos, está muito bem, por sinal.
Importante aqui: não vá assistir O Traidor por causa de Maria Fernanda Cândido. Sua atuação é pequena e discreta, como uma típica esposa de mafioso; sua tarefa é proteger os filhos a todo custo e dar suporte físico e emocional ao seu companheiro. Como sempre, entretanto, ela se mostra competente e eficiente em seu papel.
Uma dica
Por fim, um toque autobiográfico de matizes dignas de um dos mestres citados acima. Quando criança, gostava de ler em voz alta as manchetes dos jornais que meu pai costumava comprar e que levava à lanchonete da qual era dono. Um dia, o título de uma reportagem do Jornal da Tarde trazia o nome de um mafioso recém preso no Brasil; ao lê-lo em voz alta, sem ter noção de quem era e como deveria ser pronunciado (“Busqueta” por aqui, mas “Buxeta” como ele próprio gostava), fiz meu pai passar vergonha na frente de um cliente. Nesse dia, aprendi a ter cuidado com o que se fala da Cosa Nostra.
https://www.youtube.com/watch?v=hH_rTpeEfNE