O Último Jogo – brasileiros e argentinos no futebol
O velho embate...
Temos aqui em O Último Jogo, em todos os seus aspectos, o esforço em homenagear o cinema tupiniquim feito nos anos 1970. E é por aqui que se desvelam os méritos e as mazelas do longa dirigido por Roberto Studart (Pra Lá do Mundo, Mad Dogs), um jovem cineasta com olhar para o global e as características peculiares de diferentes povos, envolvido em projetos da National Geographic e em documentários, mas com ainda poucos longas assinados por si.
Somos levados, na trama, à fronteira entre Brasil e Argentina, onde duas pequenas cidades, uma de cada lado da divisa e separadas por poucos quilômetros, vivem uma rivalidade futebolística eterna, reavivada periodicamente pela marcação de dois jogos, um lá e um cá.
O vilarejo brasileiro, mais humilde, se mantém da filial de uma loja de móveis cuja sede fica no lado portenho, e que fechará as portas, provocando o inevitável fim da povoação. Encarando o fato como um fim do mundo, os habitantes da cidade brasileira veem o último jogo a ser realizado como questão de honra, enfrentando sabotagens do adversário (à-la Dick Vigarista).
O Último Jogo
Eis que, à moda de um Clint Eastwood de O Estranho Sem Nome, dois forasteiros chegam à pacata Belezura, a cidade brasileira: um acrobata da bola, especialista em embaixadinhas, e sua companheira desejável, que vagueiam ganhando trocados com a habilidade do rapaz.
Rapidamente, os líderes da cidade veem nele a esperança para vencer o último jogo, pois o time brazuca é nitidamente inferior técnica e fisicamente. Entretanto, o novato boleiro carrega um segredo que o torna reticente quanto a aceitar entrar em campo (o momento mais “Boca do Lixo” de toda a trama) e a história a ser contada só sobrevive no esforço em convencê-lo a jogar.
Aspectos técnicos
A textura das cores, o figurino, a direção dos atores e a fotografia de externas claramente referenciam à produção nacional dos anos de ditadura civil-militar; também a temática, em que o futebol se torna veículo de união e identificação brasileiras, está presente.
Nesse sentido, chega a ser divertido para um cara mais velho relembrar esses sabores de nostalgia, mesmo que de uma época política opulenta e acinzentada. Um ar saudosista impregna a tela, a despeito de alguns figurinos que destoam estranhamente do ambiente geral.
Por outro lado, O Último Jogo carrega clichês óbvios: as sabotagens argentinas (totalmente desnecessárias, colocadas no filme para que tenhamos motivos para torcer para os brasileiros; o filme poderia passar realmente sem isso), o objeto sexual encarnado em Ruiva (Betty Barco), a volúpia de Lola (Juliana Schalch), o ar patético de vários homens na cena, o macho alfa personificado por Califórnia (Pedro Lamin) são alguns dos pontos que nos passam a sensação de que já vimos tudo isso antes. Também a solução final é ruim, perdendo-se uma oportunidade de finalização mais criativa.
Pra frente Brasil
Há o ar ufanista que, nesta época de polarização político-ideológica em que estamos, promete agradar a conservadores mais velhos, com saudade do scratch canarinho tricampeão no México nos anos 1970 (e que ainda estejam aqui entre nós) mas que exala um desejo em resgatar o amor pelo Brasil e cicatrizar em todos nós feridas agora abertas. Não convence, entretanto.
Não é um bom filme: essa quantidade enorme de situações óbvias, que solapa qualquer tentativa de resgate dos (duvidosos) bons tempos da filmografia brasileira, incomoda. Criam-se personagens ultrapassados, que sobrevivem apenas no imaginário de alguns poucos, apegados a um passado que não poderá mais retornar ao presente.
A atuação do elenco é, via de regra, bastante simples. Como destaque, Norberto Presta empresta a classe dos atores argentinos ao seu papel, o que nos prende a atenção no filme até o fim.
Studart poderá dar passos mais alvissareiros futuramente: tem uma história de realização de trabalhos de proposta interessante, e demonstra estar atento a matizes de lugares e os habitantes desses lugares. Vamos aguardar seu próximo.