A Suspeita
Lúcia, vivida por Glória Pires, é uma investigadora próxima de se aposentar, bem posicionada na carreira, que entra numa situação que sai do controle: ao tomar posse de um celular de um escritor que está registrando as memórias de um chefe do tráfico, passa a ser considerada suspeita após o assassinato do escriba. Ao descobrir que possui Alzheimer, ela passa a ter um complicador no processo.
Bem, é um filme policial com claros desejos de remeter a produções americanas, sobretudo as da Netflix. Até aí, não há necessariamente um problema, afinal, cinema também pode ser produzido para diversão pueril. O que me incomoda é o excesso de academicismo, engolindo e solapando as possibilidades que o roteiro poderia oferecer.
Não espere aqui uma trama complexa ou cheia de personagens, situações paralelas ou amarrações que exijam atenção aos detalhes e às informações durante todo o tempo, deixando qualquer um com cefaleia (assistindo no cinema, você não terá como pausar, pensar, voltar e analisar tudo). Ao contrário, você se frustrará se buscar isso. Nada é definitivamente surpreendente ou destila camadas sobre camadas de narrativas.
A Suspeita
Um ponto que talvez me incomode mais do que isso, entretanto, é a notória falta de jeito do cinema nacional em imprimir ritmo fluido a histórias contadas a partir de influências cinematográficas estrangeiras. Todas as falas, todas as sílabas, precisam ser quase que declamadas, teatrais, tirando toda a naturalidade. Esse também é um ponto particularmente nítido na atuação de Glória Pires, uma atriz veterana que sempre me passou a sensação de que atua com o freio de mão puxado.
Ao assistir ao trailer atentamente, você já sentirá de cara a intenção de replicar a construção de uma peça publicitária americana: velocidade crescente até o clímax através de cortes rápidos para aumentar a tensão; ok, mas as vozes dos atores soam arrastadas. Algo está deslocado ali.
Mas há bons pontos: um apurado cuidado com a fotografia faz com que esse quesito esteja bem com a proposta geral. A discussão sobre a relação entre a doença degenerativa e o problema no qual Lúcia se meteu dá margem para situações perturbadoras. Entretanto, não se aproveitam vários ganchos para se aprofundar na complexidade, pois para isso precisariam ser criados coadjuvantes menos rasos. Não houve interesse nisso, e parece-me evidente que foi mesmo uma questão de escolha. Resta saber o porquê desta escolha: deixar o produto final mais acessível e menos “cabeça”? Deixar a produção mais fácil (pois amarrar as pontas quando a narrativa fica intrincada sempre é complicado: não querer mostrar fragilidades nesse quesito levaram toda a composição para uma zona de conforto?) Não sabemos. Porém, o produto final permite inferir que, se tivessem ousado um pouco mais, haveria ganho.
A Suspeita é um filme para se divertir, mesmo. Vá sem muitas expectativas, e poderá gostar.