Os Amores Dela
Neste romance, primeiro longa de Charline Bourgeois-Tacquet, a personagem de Demoustier (Anais, como seu próprio nome, e baseada na própria diretora) é uma balzaquiana que leva uma vida desorganizada, o que a deixa preocupada; em acréscimo, sua mãe, seu porto seguro, está doente. Ela não consegue manter relacionamentos duradouros. Num acaso, ela conhece um homem mais velho, com quem se envolve brevemente e que a leva a se interessar pela esposa dele, uma escritora bem-sucedida.
É um filme plasticamente bonito: cores, iluminação e fotografia vivas e acertadas, especialmente nas cenas de externa. A direção valoriza o rosto da boa atriz que é Demoustier (estreante também), e principalmente na cena final fica claro que a protagonista manda bem. Em acréscimo, alguns elementos positivos devem ser considerados.
Em primeiro lugar, uma cena de sedução com maçãs selvagens é praticamente religiosa. Partindo de um ritmo de aproximação correto entre personagens, soa bonita e não forçada. Em segundo, a angústia de ver Anais sempre atrasada é interrompida novamente na última cena, o que mostra que uma fala da personagem principal, de que um encontro no meio do filme não era uma questão de fantasia, mas sim crucial para a própria evolução de sua vida, era para ser levada a sério.
Os Amores Dela
A partir destas análises, posso recomendar o filme sem sustos. Os pontos menos apurados não invalidam a obra como um todo, servindo, ao invés disso, como elementos de reflexão que a própria diretora poderá fazer após analisar seu produto final. Por exemplo: há alguns momentos de sedução que são interrompidos na tela por cortes abruptos, deixando uma dúvida em quem assiste sobre o que houve após a cena interrompida. Algumas cenas poderiam não estar presentes por não acrescentarem nada à trama (por exemplo, a do irmão de Anais com seu lêmure). Um outro ponto tem a ver com uma cena de amor importante, mas feita meio sem jeito e que pouco convence com relação a exibir os desejos envolvidos.
Mas o que chama a atenção é o jeito de Anais: ela é agitada, muito esperta e lúcida, tão lúcida que se torna exigente consigo mesma ao ver o tempo passar. Seu jeito adolescente de se vestir e seus amores líquidos entoam os cânticos dos modernos seres que habitam as cidades grandes.
Este filme foi selecionado para a Semana da Crítica no Festival de Cannes em 2021, teve uma boa repercussão nos cinemas norte-americanos em sua estreia e tem, realmente, méritos que agradam a esses mercados: a delicadeza da direção, o corre às vezes meio Forrest Gump, meio Amélie Poulain da personagem principal, o estilo parisiense de Demoustier, as locações belíssimas (em especial, uma tomada de um morro à beira-mar é sensacional), são atrativos plásticos para este filme sobre amores e angústias.
Certamente, a repercussão de Os Amores Dela será favorável. Terá uma carreira bacana. Estreia essa semana.