Trem-Bala
Eu adoro aquelas “comédias de erros”, onde as situações de humor são originadas por desencontros e que, se os personagens se reunissem pra conversar por dois minutos, os problemas não existiriam e todos estariam felizes. O filme “Trem-Bala“, que estreia em agosto aqui na República das Bananas, é uma “ação de erros”, onde os problemas praticamente desapareceriam se os personagens se juntassem por um minuto no mesmo vagão e simplesmente converssassem.
Esse desencontro não é nem de perto um problema – muito pelo contrário, é um dos grandes méritos do roteiro do filme.
Encontros e desencontros
Reunir um monte de assassinos no mesmo trem como se “por acaso” parece uma premissa completamente imbecil, mas incrivelmente ela funciona. Isso porque o filme não corre com o roteiro e vai apresentando cada personagem aos poucos, devagar, tomando seu tempo e mostrando alguns flashbacks. Isso ajuda porque realmente são muitos personagens interagindo e se encontrando.
Cada um tem um propósito que, de alguma forma, se embaralha com o propósito de outros dois ou três personagens. E, sempre que há um encontro entre eles, há uma tensão, gerando um novo desdobramento. É claro que tem aquelas ferramentas de roteiro clássicas que são muito bem aplicadas: tem uma dezena de Chekhov’s Guns, alguns MacGuffins (um bem óbvio), tem personagens que mudam de lado e vilões que explicam o plano antes de tentar matar o mocinho. Mas nada que gere um problema: o filme não ignora os clichês, mas os abraça, pega no colo, amamenta, faz arrotar, joga pra cima e põe pra divertir as visitas. E as visitas acabam achando os clichês fofos mesmo, olha que coisa mais linda, jamais teria um desses, mas é gostoso ver assim o clichê dos outros, né?
Porradas e estrelas em Trem-Bala
Também é uma alegria saber que os atores se entregaram à galhofa de coração aberto. Pura farofada. E são uns puta atores: não só o Brad Pitt, grande estrela do filme e que tá sendo obviamente ultra-explorado nos materiais de divulgação; mas tem também uma cacetada de atores legais, que você tem certeza que conhece de algum lugar (tem o homem peixe do A Forma da Água, o Kick Ass, a Domino do Deadpool). Isso sem contar as diversas participações especiais que ilustram momentos randômicos do filme, elevando cenas que seriam completamente esquecíveis.
Ajuda que o diretor David Leitch já tenha trabalhado com muita gente boa e feito seu nome em grandes produções de ação, como o segundo filme do Deadpool, Hobbs & Shaw ou o excelente Atomic Blonde. Com um currículo tão expressivo no gênero, ele não decepciona: toda a ação é divertida, bem coreografada e muito bem dirigida, parecendo fácil a complicadíssima tarefa de mostrar lutas em ambientes apertados como vagões de trem.
Com tudo isso misturado, “Trem-Bala” se mostrou uma surpresa extremamente agradável. Tendo um trailer fraquíssimo, um pôster horroroso e um material promocional bem bobão, eu esperava muito menos do filme e essa expectativa ajudou. O longo tempo de embargo da distribuidora também assustou: geralmente filmes que possuem embargos agressivos costumam ser uma bela merda, mas eu saí extremamente satisfeito da sala de cinema, depois de duas horas excelentes que pareceram ter passado muito mais rápido.
E coloca também David Leitch definitivamente no rol dos grandes diretores da atualidade: como alguém que consegue trabalhar com histórias originais e entregar um belo entretenimento em uma época que talvez seja exatamente o que a gente precise: nada de cinco temporadas ou longas trilogias com cenas pós-crédito. Um filme, uma diversãozinha despretensiosa bem feita e é isso. Gostoso demais.