As Boas Maneiras, uma fábula com aquele toque de terror

Na trama, Clara, uma enfermeira da periferia de São Paulo, é contratada pela rica e grávida Ana, para ajudá-la com a gravidez e depois com o bebê. Elas se tornam muito próximas, até que tudo muda numa noite de lua cheia.

Os diretores Juliana Rojas (Sinfonia da Necrópole) e Marco Dutra (Quando Eu era Vivo) voltam a flertar com o sobrenatural de maneira sutil como em Deixa Ela Entrar, entregando um drama que metaforiza a sociedade moderna, seja na problematização da normalização do racismo, seja nas questões maternais (a mãe solteira e solitária ou aquela que assume o filho da outra, as complicações da gestação etc), dividindo o filme em dois, mais ou menos como Robert Rodriguez fizera em Um Drink no Inferno, que aparenta ser uma coisa e depois se revela outra.

Mas não temos em As Boas Maneiras o que hoje classificam como “pós-terror”. O horror é assumido desavergonhadamente do segundo ato em diante, com efeitos em CG bastante convincentes relacionados a criatura.

Marjorie Estiano está excelente como sempre, aqui assumindo o manto de uma madame caipira, à vontade com o sotaque interiorano, enquanto que Isabél Zuaa se destaca em uma interpretação contida, reticente e melancólica, que diz muito sobre sua personagem, além de enaltecer sua evolução ao longo do enredo. Miguel Lobo, além do sobrenome completamente dentro do contexto, é um competente ator mirim, que não desaponta em cenas mais difíceis ou bizarras a que se submete.

As Boas Maneiras é, acima de tudo, uma fábula e isso fica evidenciado em alguns momentos, como o uso de matte paintings (de autoria do quadrinista Eduardo Schaal) para criar uma panorâmica fantástica na Marginal Pinheiros, dos momentos de “musical” em trilhas que acrescentam a narrativa, do flashback em storyboard, até um “que olhos grandes… que mãos grandes… uma boca grande” aparece num diálogo a certa altura para evocar o fabular intrínseco da produção, com artificialidades propositais e importantes para composição estética do enredo, dando um ar singular ao filme.

E ainda que certa teatralidade se faça presente aqui e ali, a história de gênero assume um escopo mais tradicional que também funciona, nas escolhas que as figuras fazem em tela e as consequências de tais atos, gerando um crescente de agônia e tensão que culmina num clímax inesperado, à maneira dos revoltados cristãos com pás e garfos levantados contra o monstro que se encurrala no moinho de vento em chamas.

As Boas Maneiras

O Brasil sabe fazer filme de terror e isso vem sendo provado cada vez mais nos últimos anos. As Boas Maneiras chega para coroar o formato.

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