Saco de Ossos, obra de Stephen King
O luto é uma assombração
Em Saco de Ossos, Mike Noonan é um autor de sucesso, que vive bem com sua esposa, Jo. Os dois tentam engravidar há anos, mas sem sucesso. Um dia, Jo é atropelada enquanto atravessa a rua. Quando fazem a autópsia descobrem que, por ironia do destino, Jo estava grávida no momento de sua morte. Mike, naturalmente, entra em depressão e passa a ter um bloqueio criativo.
Ele então resolve passar um tempo na sua casa do lago, em uma pequena cidade do Maine. Logo no primeiro dia de estadia ele conhece Kyra, uma menina de 3 anos. E também sua mãe, Mattie, uma jovem viúva de 20 anos. Ela tinha sido casada com o filho do homem mais poderoso da cidade, Max Devore. Devore e Mattie estão em uma batalha pela custodia de Kyra.
Mike sente uma conexão imediata com Kyra, principalmente porque esse seria o nome de sua filha que nem chegou a nascer. Ele resolve então ajudar Mattie na batalha pela custódia da menina. Tudo piora quando Devore passa a ameaçar e até atacar Mike. Isso ao mesmo tempo em que ele começa a sentir presenças suspeitas na cidade.
Temas recorrentes
Saco de Ossos é um livro escrito por Stephen King e publicado em 1998. Embora o livro faça parte de uma fase de King onde ele já não escrevia sobre o terror puro ou sobre monstros (o último livro de King com monstros, que foi escrito propositalmente com esse conceito em mente foi A Coisa, de 1985), Saco de Ossos tem momentos assustadores e também usa uma criatura sobrenatural.
Além disso, o livro tem, como sempre, temas recorrentes nas obras do autor. O primeiro deles é o protagonista ser escritor. Isso é tão comum nos livros de King que é mais fácil citar os livros que não tem esse elemento. O segundo é a ambientação, uma cidade pequena (quase sempre no Maine).
Em Saco de Ossos no entanto, temos uma diferença, já que Mike, o protagonista, não é um residente dessa cidadezinha. Por isso, ele não conhece todos os moradores. Mike é um visitante que passa a conhecê-los com o tempo. Saco de Ossos também apresenta uma criança especial e diferente no centro dos acontecimentos da trama, nesse caso Kyra.
Mais do que isso, bem como em A Coisa, Saco de Ossos também mostra ao leitor uma cidade que tem um histórico de morte de crianças. Dessa vez, de maneira mais específica, crianças de famílias conhecidas na cidade e cujos nomes começam com a letra “K”.
Também é legal ressaltar que o livro faz menção a Bill Denbrough, de A Coisa e a Thaddeus Beaumont, de A Metade Negra, outros dois escritores criados por King.
Culpa
Saco de Ossos é um livro de terror e por isso, utiliza de elementos sobrenaturais. Neste caso, o sobrenatural se manifesta na forma de espíritos que mandam recados e algumas vezes até entram em contato com Mike.
Mike, por sua vez, interpreta aquilo como mensagens de Jo, sua esposa. Em uma interpretação um pouco diferente, pode-se facilmente relacionar a aparição do fantasma com a culpa que ronda os personagens do livro. Mike, por exemplo, se sente culpado por não estar ao lado da esposa no momento em que ela morreu. Já os outros personagens se sentem culpados por acontecimentos do passado, escondidos na memória dos moradores mais antigos.
Não é de surpreender que os fantasmas que aparecem na trama estejam diretamente ligados a esses dois acontecimentos.
Também é claro que Mike está passando por um período de luto gravíssimo, uma vez que Jo era uma mulher nova e que sua morte aconteceu de maneira repentina e violenta. Então não é difícil entender as aparições que Mike começa a ver como a maneira que ele encontra de lidar com o sentimento de perda da esposa.
O preconceito retratado em Saco de Ossos
Ao mesmo tempo, devido a investigação que Mike faz sobre o passado da cidade, ficamos sabendo também da história de Sara Tidwell, uma cantora de jazz negra, que viveu nos anos 20.
Saco de Ossos então toca em temas um pouco mais sérios e completamente realistas, que ainda são relevantes. Machismo e racismo por exemplo. Embora Sara seja extremamente talentosa e bem vista por algumas pessoas da cidade, ela sofre preconceito constantemente por ser negra e mulher. Para piorar tudo, Sara é mãe solteira, o que nos anos 20, era quase um crime.
Mesmo assim…
Sara se mostra como uma mulher forte que continua trabalhando e não se esconde das pessoas que a maltratam. Essa situação toma uma dimensão gigantesca e terrível, que prova o quanto os homens se sentem donos dos corpos e das vidas das mulheres e o quanto diversas pessoas estão dispostas a esconder coisas e cometer injustiça em troca de vantagens ou só por medo.
Não é só a situação de Sara que mostra o quanto os homens se sentem no direito sobre as vontades das mulheres, mas a de Mattie e Kyra também. Mattie também é mãe solteira, e pobre. É esse argumento que seu ex-sogro usa quando tenta conseguir a guarda da neta. Devore não acredita na capacidade de Mattie como mãe, e em diversos momentos a chama de “vagabunda”, “prostituta” e “vadia”. Ele considera que ela seduziu seu filho por interesses financeiros. Devore não respeita nem o direito de Mattie, que quer criar sua filha, nem o de Kyra, que deseja ficar com a mãe.
Saco de Ossos tem um elemento de terror sobrenatural, que assusta, mas como grande parte das obras de King, o maior vilão de todos, ainda é o ser humano.
Adaptação
Saco de Ossos virou uma série em 2011, dirigida por Mick Garris, que já tinha em seu currículo diversos filmes inspirados em obras de King (A Dança da Morte, em 1994, O Iluminado, em 1997, Montado na Bala, em 2004 e Desespero, em 2006). Pierce Brosnan interpreta Mike e Anika Noni Rose interpreta Sara.
A série fez algumas mudanças deixando a trama um pouco menos complexa do que a do livro. Mas é relativamente fiel a obra original e pode agradar os fãs do livro e de King. A parte que se passa nos anos 20 é extremamente bem retratada e Anika Noni Rose está perfeita no papel de Sara.
Saco de Ossos ganhou o Bram Stoker Award em 1998 e o British Fantasy Award em 1999. Ambos na categoria de melhor romance.
Saco de Ossos é um livro de terror que assusta seus leitores, mas que também fala de temas um pouco mais profundos, como culpa, luto, racismo e machismo.