Defensor, de G.X. Todd

Faz sete anos que o mundo deixou de ser como era e Pilgrim, um homem solitário, vaga por ele, acompanhado apenas de uma Voz dentro de sua cabeça. Quando ele esbarra em uma adolescente vendendo limonada, ele para e compra um copo.

Como pagamento, Lacey, a adolescente, pede que ele lhe dê carona até uma cidade próxima, onde a irmã dela mora, mas Pilgrim aceita contrariado.

Enquanto os dois tentam sobreviver a um mundo cruel, repleto de pessoas que perderam completamente a humanidade, Pilgrim percebe que o encontro com Lacey não foi tão fortuito assim.

Defensor é o primeiro volume da série Vozes.

O pós-apocalipse

Defensor é um livro que trabalha com uma ideia que sempre foi comum na literatura e no cinema, mas que parece ter voltado com força total ultimamente: o fim do mundo, ou pelo menos, o fim do mundo como o conhecemos. A obra se passa no pós-apocalipse e nunca é dito ao leitor o que exatamente aconteceu, mas sabemos que alguns poucos sobreviventes vivem há sete anos nesse mundo, que agora é feito de escombros.

O apocalipse também trouxe à tona o pior das pessoas e Pilgrim, um homem solitário que nem lembra muito bem como era sua vida pregressa, vaga por esse mundo sem saber exatamente o que procura. A outra protagonista, Lacey, no entanto, vem de um background diferente: sendo uma adolescente de 16 anos, ela era criança quando tudo aconteceu e viveu com a avó dentro de uma casa, sem saber muito do mundo. A avó de Lacey faleceu há dois meses e, por isso, ela resolve ir atrás de sua irmã e sobrinha.

Mas além desses dois personagens, o livro retrata pessoas terríveis que mergulharam completamente na escuridão e que com o fim da civilização deram vazão ao que existe de pior no ser humano. Existe uma implicação um tanto óbvia nisso, e que reflete a realidade em que vivemos, mulheres correm mais perigos nesse novo mundo, como também correm no mundo real, e a personagem de Lacey é apenas um pequeno exemplo disso, já que a autora a poupa de muita coisa. Alex, uma mulher que os dois encontram no meio do caminho, em uma situação de perigo, por outro lado, é uma espécie de exemplo de tudo de ruim que pode acontecer com uma mulher sozinha em um mundo pós-apocalíptico.

Vários pontos de vista

Defensor retrata uma história grandiosa que flerta com o épico e, para tal, precisa de vários personagens e vários pontos de vista. Quando o livro começa, acompanhamos a trama do ponto de vista de Pilgrim, mas não demora muito para que tenhamos acesso também à mente de Lacey.

O livro então alterna capítulos narrados em terceira pessoa, mas por um narrador que tem acesso a boa parte dos pensamentos dos personagens, entre os pontos de vista de Pilgrim e Lacey. É importante lembrar, no entanto, que esses personagens nem sempre contam tudo: Lacey revela seu passado aos poucos e Pilgrim genuinamente não lembra do seu passado no começo e vai o retomando aos poucos. Essas trocas de perspectivas e esse número razoavelmente grande de personagens nos fazem lembrar de A Dança da Morte, de Stephen King, que também se passa em um universo apocalíptico e que segue vários personagens enquanto eles viajam pelos Estados Unidos.

Defensor nunca nos dá o ponto de vista ou os pensamentos totais de Alex ou de outros personagens com quem Lacey e Pilgrim cruzam no caminho, sabemos algumas das coisas que Alex pensa ou do que aconteceu com ela antes dela encontrar os dois protagonistas pelo que ela conta a Lacey. Os outros personagens, ainda que importantes, aparecem pouco e os vilões não são nem humanizados, e portanto, não faria sentido entender o que eles pensam, já que logo compreendemos que eles se guiam pela maldade.

As vozes

No entanto, um dos pontos mais importantes de Defensor são as vozes que parecem habitar a mente de algumas pessoas. O conceito do livro parte da ideia de que essas vozes não representam simplesmente pessoas conversando consigo mesmas, mas sim vozes de terceiros que se manifestam dentro da mente desses personagens.

Pilgrim é constantemente acompanhando por uma voz – a quem ele se refere como a Voz, sempre em letra maiúscula -, que é praticamente um outro personagem. A Voz parece até saber o futuro e muitas vezes guia o personagem, e os dois também discordam bastante. Outro ponto interessante é que Pilgrim esconde das outras pessoas que ele escuta a Voz e é esse o conselho que ele dá a Lacey, quando mais tarde, ela também começa a ouvir uma voz.

Ao longo do livro, descobrimos que ouvir vozes não é muito bem visto nesse novo mundo, e que talvez, as vozes tenham a ver com o que aconteceu sete anos antes. A ideia é sim, bem interessante e também, inovadora, mas em alguns momentos as vozes soam quase como Deus ex machina, já que muitas vezes elas tiram soluções da cartola, sem muitas explicações.

O Defensor é uma boa leitura?

Defensor é um livro pós-apocalíptico relativamente criativo, ainda que ele, naturalmente, beba em algumas fontes, é interessante que ele deixe alguns dos seus mistérios para os próximos volumes. Também existe um verdadeiro segredo sobre o que aconteceu com o mundo, nem os personagens parecem saber muito bem.

O universo é bem criado, o livro se passa nos Estados Unidos e o que vemos é um país destruído, descrito como um lugar cheio de ruínas. O cenário sem esperanças faz parte da trama, os personagens vagam por aí sem saber para onde vão e o leitor consegue sentir o desespero deles. Ao mesmo tempo, o livro aposta em momentos terríveis, com descrições bem efetivas, que apavoram. A crueldade é a palavra-chave desse novo mundo, ninguém poupa ninguém.

No entanto, o livro é longo e, com o tempo, começa a ficar um pouco cansativo. A leitura é terrível? De maneira nenhuma, o livro é, inclusive, bem escrito e muito bem planejado, mas ele também tem uma leitura lenta, que demora e que é densa.

Defensor se destaca pela sua trama criativa e pega caminhos interessantes na sua história, mas o livro, um tanto quanto longo, pode cansar o leitor que não estiver tão preso assim na narrativa.