A Batalha das Correntes – Todas as histórias de um filme

O lançamento do longa A Batalha das Correntes em 2019 pode ser considerado por si só uma vitória cinematográfica. Isso porque o filme, dirigido por Alfonso Gomez-Rejon deveria ter sido lançado em 2017, mas acabou caindo no limbo Hollywoodiano por conta de ter em sua produção uma das pessoas mais odiáveis da indústria que, quando caiu, levou consigo seu império: Harvey Weinstein.

Seria uma pena se a película fosse realmente abandonada, já que ela conta uma parte interessantíssima da história da ciência.

A Batalha das Correntes – Edison – Westinghouse

É ensinado nas escolas que a lâmpada elétrica é invenção de Thomas Alva Edison. Assim como muitas das invenções atribuídas a ele, a lâmpada é um resultado de um trabalho em conjunto de diversos inventores (Thomas incluso). Mesmo assim, como excelente publicitário que é, ele levou os méritos dessa invenção – e não só isso, mas a empresa que ele criou (a Thomas Alva Edison Electric Light Company) registrou 1093 patentes, resultado de um esquema de trabalho que fomentava a criatividade de seus engenheiros.

Benedict Cumberbatch é Thomas Edison em A Batalha das Correntes
Benedict Cumberbatch é Thomas Edison

Um deles, por um breve período de tempo, foi Nikola Tesla, hoje tido como um dos maiores cientistas de todos os tempos e um dos pais da eletricidade moderna. A redenção de Tesla veio tardia: quando morreu, em janeiro de 1943, aos 86 anos, ele estava sozinho e na miséria. Isso, no fundo, talvez tenha até ajudado a criar essa imagem do gênio incompreendido e feito de Nikola uma figura mais conhecida do que Westinghouse, um empreendedor magnata que viria a ser o principal concorrente de Thomas Edison, principalmente no que diz respeito ao tipo de corrente a ser implantada nos Estados Unidos.

Isso porque Thomas Edison era um defensor da corrente contínua: uma corrente de pequena voltagem sendo distribuída de diversos pontos geradores. Westinghouse defendia a implantação da corrente alternada: com uma grande voltagem, era possível que a eletricidade viajasse distâncias muito maiores sem grandes perdas.

Tem spoiler aqui?

Qualquer tonto que já tenha colocado o dedo na tomada sabe qual vai ser o final do filme: a corrente alternada vai ganhar. Se não fosse assim, seria necessário ter uma usina elétrica por bairro para garantir a distribuição. Como fatos históricos e científicos não são spoiler, também acredito que seja tudo bem dizer que, para mostrar os perigos da alta voltagem (e, consequentemente, do uso da corrente alternada), Thomas Edison inventou a cadeira elétrica.

Michael Shannon é George Westinghouse em A Batalha das Correntes
Michael Shannon é George Westinghouse

Mesmo sabendo da história, porém, A Batalha das Correntes é um bom filme. Não é extremamente didático, e foca apenas em um curto período dessa história: a disputa entre Thomas Edison e George Westinghouse para iluminar a World’s Fair de 1893 em Chicago: as World Fairs eram o principal encontro de inovação científica e quem ganhasse essa disputa fatalmente teria a atenção das mentes mais brilhantes para sua tecnologia.

A ambientação é bem feita e as atuações são bem honestas, em especial de Michael Shannon como George Westinghouse e Benedito Cumbernarbrabrabattch (vocês entenderam) sempre excelente, interpretando Thomas Edison.

Cada cientista no seu espaço

O filme parece ter sido feito de uma forma que trouxesse a redenção a Thomas Edison, algo que pareceria totalmente desnecessário alguns anos atrás. Conforme a história da ciência foi sendo esmiuçada e o mundo foi descobrindo a injustiça com o qual Nikola Tesla foi tratado, a imagem de Edison acabou sendo arranhada.

Um dos motivos, aliás, para Tesla cair no ostracismo, foram seus planos de fornecer eletricidade de graça e sem cabos para a população. Dar coisas de graça já não deve ter agradado muito os executivos da JP Morgan (que também recebem um grande destaque no filme). Esse plano da torre de Tesla não é abordado, porém para quem conhece a história, há alguns easter-eggs a respeito.

Mesmo assim, Nikola Tesla é praticamente um coadjuvante no longa, mas totalmente necessário: se fosse cortado, eu estaria aqui reclamando da falta do personagem. O inventor e empresário Samuel Insull foi a grande surpresa do filme. Interpretado por Tom Holland, seu papel tem grande atenção e, por conta da minha ignorância sobre sua história, foi uma agradável surpresa.

A luta do lançamento

O fato do filme ser realmente bom foi, para mim, outra surpresa porque na época de seu lançamento original, em 2017, eu tinha alguma recordação de ter ficado desapontado por conta de suas primeiras reviews serem tão negativas. Como sempre, há uma história por trás disso, e uma que acaba expondo o que há de pior em Hollywood. E as piores coisas da indústria do cinema podem ser personificadas na figura nefasta de Harvey Weinstein.

Tom Holland é Samuel Insull em A Batalha das Correntes
Tom Holland é Samuel Insull

O filme foi todo filmado durante 44 dias de 2016 e entrou em fase de edição e pós-produção. Aí que começou a luta entre o diretor Alfonso Gomez-Rejon e o produtor Harvey Weinstein. Notas e pedidos de mudança começaram a chegar do alto escalão da Weinstein Company, solicitando alterações no filme: a adição de uma narração em voice-over, algumas mudanças pra deixar Thomas Edison um personagem mais empático, a inclusão de CG para explicar pro público mais burro como funciona a eletricidade.

Foi o pesadelo de Gomez-Rejon. O diretor conta que chegou a ter o filme reeditado sem que ele soubesse. Ele estava completamente insatisfeito com o resultado final, quando o filme foi exibido no festival de Toronto e recebeu essa enxurrada de críticas negativas.

Abusos

Harvey Weinstein, porém, fez coisas bem piores do que estragar o filme alheio: no final de 2017, pouco antes do lançamento oficial do filme, um artigo do New York Times expunha dezenas de denúncias de assédio do produtor contra diversas atrizes de Hollywood. Rose McGowan, Ashley Judd, Mira Sorvino, Salma Hayek, Gwyneth Paltrow, Cara Delevingne, Uma Thurman, Angelina Jolie e Daryl Hannah são apenas algumas das atrizes que fizeram denúncias pesadas contra Harvey, com relatos de assédio e estupro. As acusações culminaram no movimento #MeToo.

Uma Thurman, quando perguntada sobre Harvey na época havia dito que não ia dar declarações porque estava extremamente puta da vida com o cara e não queria dizer nada enquanto estivesse nervosa desse jeito. Dez meses depois, em um post no Instagram, ela declarou “[…]Harvey e seus conspiradores perversos, eu estou feliz que vocês estão morrendo vagarosamente. Vocês não merecem uma bala.”. Imagina quão puta da vida ela não estava dez meses antes.

A revelação de que Harvey Weinstein é uma das piores pessoas que já habitaram o planeta caiu como uma bomba em Hollywood (apesar de parecer bem óbvia). Todos os lançamentos da Weinstein Company foram cancelados – e isso incluiu A Batalha das Correntes. Pouco tempo depois, em fevereiro de 2018, a empresa declarou falência e foi comprada pela Lantern Capital, que agora tinha direito sobre todas as obras da Weinstein Company. Seria a chance de Gomez-Rejon salvar seu filme.

Martin Scorsese

Mas não foi fácil: quem veio acudir foi ninguém menos que Martin Scorsese. Gomez-Rejon desfez as cagadas de pós-produção promovidas por Harvey e refilmou algumas cenas – incluindo a adição de uma na qual Nikola Tesla recebe a visita de empresários que dizem que as patentes de suas invenções não pertencem mais a ele e nada ele pode fazer, em uma metáfora direta ao que fizeram com seu próprio filme.

Dessa forma, quem for ao cinema assistir A Batalha das Correntes não vai nem ver o nome de Harvey Weinstein em momento nenhum dos créditos. O cargo de produtor agora é creditado a Martin Scorsese. E, se comparado às críticas recebidas na primeira versão de 2017, tanto a nova produção quanto a velha direção conseguiram evitar que Weinstein estragasse mais alguma coisa na sua vida.

A Batalha das Correntes

Nome Original: The Current War
Direção: Alfonso Gomez-Rejon
Elenco: Tom Holland, Michael Shannon, Benedict Cumberbatch, Nicholas Hoult
Gênero: Biografia, Drama, História
Produtora: Bazelevs Production
Distribuidora: Diamond Films
Ano de Lançamento: 2017
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