A Felicidade das Pequenas Coisas
Bastante acadêmico, especialmente interessante pela imersão de quem assiste no universo butanês, A Felicidade das Pequenas Coisas está presente na pré-lista do Oscar® 2022 e tem como mote uma narrativa tradicional.
Nele, um jovem professor da capital é enviado pelo Estado para lecionar num remoto vilarejo no Himalaia; a contragosto (pois é um homem retratado como acomodado pela modernidade e com aspirações a deixar o país), ele resolve ir enquanto aguarda o visto de entrada na Austrália, onde deseja iniciar uma carreira de cantor na cosmopolita Sidney.
Durante a travessia difícil até a localidade de Lunana, à qual foi designado, e principalmente durante a estadia lá, inevitavelmente ocorre o ritual de purificação, visto aqui como o retorno a um ambiente mais simples, bucólico e com menos recursos. Lá chegando, ele é recebido com muito respeito e carinho pelos locais, encontrando um prédio escolar precário, mas crianças interessadas em aprender e um líder local que o considera quase como a personificação de um iaque, animal estimado por sua utilidade.
A Felicidade das Pequenas Coisas
Olhando para o enredo pura e simplesmente, não há nada diferente do que podemos encontrar em inúmeros outros exemplos de “cinema de redenção”: a expiação das “impurezas” do mundo moderno, que nos tornam relaxados e mal-acostumados, rumo a uma essência “boa” que acabamos por esquecer. Essa proposta apresenta toda a sorte de problemas: pessoas simples e sem recursos são retratadas como felizes e em paz, quase que como numa propaganda romantizada do aceite da pobreza pura e simplesmente; as dificuldades e penúrias obviamente cotidianas da pequena comunidade no alto da montanha são mostradas sem um pingo de crueza.
O que podemos também considerar como previsíveis são as etapas de purificação pelas quais passa o rapaz: o esforço físico de “ascender aos céus” (representação do deslocamento até Lunana, sintomaticamente ilustrado pela inserção periódica, ao longo da narrativa, da altitude crescente e da população decrescente dos locais por onde passa o protagonista) e a adaptação obrigatória ao ambiente difícil (aprender a fazer fogo com estrume de iaque, proteger-se do frio com papel feito de arroz, acostumar-se à falta de energia elétrica).
E vale a pena?
Mas, então, nada se pode aproveitar de A Felicidade das Pequenas Coisas? Não, muito pelo contrário. A começar pela valorização do papel do professor, tido como aquele que tem o poder de modificar o futuro das pessoas. Em seguida, a apresentação de elementos místicos do budismo do Butão, com seus rituais e as características pessoais de quem o pratica. Além disso, o prazer sonoro do canto cheio de melismas dos habitantes de Lunana, num tom calmo e lamentoso: a música, aliás, apoia as sensações que o filme proporciona.
Também deve-se destacar a valorização dos rostos, sobretudo dos habitantes (principalmente as crianças) que os torna plasticamente belos. A boa direção dos atores dá condições, por exemplo, de extrair uma boa atuação do líder da comunidade de Lunana.
O diretor Pawo Choyning peca, em resumo, no ar quadradão que confere ao filme como um todo, apoiado num roteiro simples e já batido. Como uma empreitada aparentemente voltada a mostrar o Butão a um olhar ocidental, faz sentido em fazê-lo dessa forma. Contudo, pode-se cobrar, numa próxima tentativa, algo mais audacioso, ainda mantendo o ambiente geral de delicadeza tão ao gosto do cinema oriental.