Alice Júnior – Filme adolescente com pontos importantes

Alice (Anne Celestino Mota) é uma adolescente transgênera que vive com o pai, Jean (Emmanuel Rosset), no Recife e mantém um canal no Youtube. Quando seu pai é transferido, os dois se mudam para uma pequena cidade do Sul, onde a população é majoritariamente conservadora.

Alice, que era aceita em casa e na escola, se vê de repente sofrendo bullying e preconceito de maneira explícita, não só por parte dos alunos, como também por parte da direção e dos professores, que se recusam a chamá-la de Alice e que exigem que ela use o uniforme tradicionalmente masculino.

Enquanto tenta ser quem é, sem se deixar abater, ela também torce e espera que seu primeiro beijo aconteça logo.

Preconceito

Alice Júnior é uma comédia adolescente, mas que traz à tona assuntos importantes, como a identidade de gênero, a orientação sexual e o preconceito. Quando o filme começa, Alice já tem plena certeza de sua identidade de gênero, então a ideia do filme não é mostrar suas dúvidas, questionamentos e aceitações, mas sim o seu dia a dia. O pai de Alice também a aceita como ela é e os dois se dão bem, por isso o filme também não retrata problemas com a família.

Alice mantém um canal no Youtube que funciona mais ou menos como um diário, onde ela conta toda a sua vida. A jovem é relativamente popular e recebe um pouco de “hate” online, mas é segura de si e geralmente ignora os comentários.

A vida dela muda totalmente quando seu pai é transferido para uma pequena cidade no Sul do país, onde Alice é matriculada em uma escola tradicional e se vê em um mundo extremamente conservador. Logo no primeiro dia de aula, quando ela avisa que o nome que está na chamada não é o seu nome e que ela prefere ser chamada de Alice, ela tem seu pedido desrespeitado e passa a ser chamada de “bicha”, “viado” e “aberração” pelos colegas.

Quando tenta reclamar na direção, encontra uma diretora que não só concorda com tudo que estão fazendo com a jovem, como também exige que ela passe a usar o uniforme escolar tradicionalmente masculino. Alice, no entanto, não perde o ânimo e segue se impondo e deixando claro quem ela é, mesmo quando o mundo todo parece estar contra ela.

Um filme adolescente

É importante ter em mente que Alice Júnior é um filme adolescente, pensado para esse público e que retrata personagens dessa faixa etária, mas é justamente por isso que ele é importante.

A trama retrata uma menina transgênera vivendo todas as experiências de qualquer outra adolescente, tanto que antes de chegar ao Sul, a principal preocupação dela é dar o seu primeiro beijo. O que é bem interessante no filme é que a identidade de gênero de Alice nunca é uma questão para ela, que se aceita exatamente como é. O fato dela não ter dado o seu primeiro beijo ainda não tem absolutamente nada a ver com o fato dela ser transgênera. Entretanto, o gênero de Alice é uma questão para as outras pessoas, que a atacam e não a aceitam.

Alice Júnior é importante porque coloca uma protagonista em uma trama que não é focada unicamente nas questões de gênero, mas sim em dramas e histórias que são comuns a todos os adolescentes, o que pode trazer reconhecimento a adolescentes que se veem no mesmo lugar de Alice e compreensão dos que não se veem.

O fato do longa ainda falar sobre questões relevantes como o preconceito, não só contra Alice, mas também contra Lino (Igor Augustho), o único adolescente gay assumido da escola, é um ponto a mais nessa produção.

Aspectos técnicos de Alice Júnior

Este é um filme pensado para o público adolescente e, se parece, em muitos aspectos, com uma série de filmes americanos voltados para os jovens. A trama do longa não é especialmente intricada e se concentra basicamente em namoros, primeiros beijos, primeiras experiências, bullying e amizades, mas existem os seus diferencias.

Aqui acompanhamos uma protagonista transgênera que não está em dúvida nem questionando seu gênero, mas sim tentando se encaixar no mundo e viver experiências comuns a todo e qualquer adolescente. O preconceito é um assunto que naturalmente aparece na história, mas que não define Alice e que serve quase como uma maneira de refletir as ações da plateia, como se o filme questionasse como nós nos comportamos e agimos em relação às pessoas transgêneras, uma crítica que se abrange para o nosso comportamento em relação a qualquer pessoa que é diferente de nós. Quando assistimos Alice em seus momentos bons e ruins, simpatizamos com ela e sentimos empatia pela personagem, além de, muito possivelmente, reconhecimento.

A produção ganha mais pontos porque escalou Anne Celestino Mota, uma atriz transgênera no papel principal. Anne interpreta Alice de maneira divertida e leve, mesmo nos momentos em que sua personagem é hostilizada e marginalizada. Alice Júnior também tem um tom juvenil, com bastante cor e com uma linguagem muito parecida com a do YouTube, que não só faz uma referência ao fato de Alice ser uma Youtuber, mas também conversa com o público alvo.

Alice Júnior é um filme com uma história de fácil identificação, mas que também traz questões especificas, que devem ser mostradas e exploradas, até que todos tenham sua voz dentro e fora do cinema.