Bone 2: Phoney Contra-Ataca ou Solstício, de Jeff Smith

Uma das maiores obras-primas dos quadrinhos de todos os tempos, Bone 2 escala para uma narrativa épica e intrincada, sem abrir mão do humor.

Depois de apresentar um mundo completamente particular, aventuresco e divertido no primeiro encadernado (relançado pela terceira vez no Brasil), Jeff Smith segue com a história dos três primos Bone pelo Vale, um universo fantástico de humanos, dragões e monstros, continuando com o senso de gravidade que apareceu nos últimos capítulos do volume anterior. Dessa maneira, a trama desenvolve mais as verdadeiras intenções do Encapuzado e do abstrato Senhor dos Gafanhotos, assim como toda a mitologia local. Envolve os dragões e a antiga realeza, como Vovó Ben e Espinho, em uma jornada incansável por vários pontos de vista.

Bone 2

Bone 2

Tendo mostrado todo seu talento singular com a arte sequencial no primeiro encadernado, Jeff Smith se vê mais à vontade de explorar os já citados mitos locais, como também as figuras que caminham pelo cenário. O autor é oriundo das animações, portanto eu gosto sempre de repetir que sua narrativa é quase como um storyboard. Os personagens realmente parecem se mover de um quadro para o outro. Principalmente com o humor (certeiro e realmente engraçado, algo bem difícil de realizar).

Smiley Bone antes era só um cara leviano. Entretanto, agora ganha profundidade, tanto durante a ação pelas montanhas, como no lado emocional, ao “adotar” um filhote de ratazana. Falando nos monstros, a dupla trapalhona que remete imediatamente aos perseguidores clássicos da Hanna-Barbera (como Coiote, Patolino e Frajola), abre-se para além da idiotice em um vira-casaca duplo-carpado bastante interessante de se acompanhar. E o mesmo vale para o aberrante Kingdok, que pelo bem ou pelo mal, serve a um propósito nobre.

Bone 2

A trama

Em dado momento, o autor parece se perder em prolixidade, ao repetir inúmeras vezes mistérios da trama (sobre a princesa e sobre os vilões). Inclusive com personagens repetindo o que já havia sido revelado antes por mais e mais páginas. Fica-se a impressão de que a história está embolando o leitor para ganhar corpo, mesmo com outras situações acontecendo.

Todo esse ônus, porém, é suplantado com um épico sem igual, claramente bebendo das fontes de Tolkien (misturados com elementos cartunescos da Disney e a já citada Hanna-Barbera), dos tipos de raças a rixas entre espécies, das regras de território a embates sangrentos, de jornadas entre cenários grandiosos e perigosos a perigos realmente aflitivos, quando na real uma trama maior se avizinha no horizonte, que o autor fica guardando para depois, habilmente com seu enredo equilibrado de ação e humor.

E quando você acha que uma passagem ficará enfadonha, logo é acertado por uma situação inusitada. Mesmo com alguns deus ex-machina (justificáveis no plot) e excessos de informações, existe muito rolando no Vale para manter seu interesse e atenção.

Contracapa

Phoney Contra-Ataca ou Solstício

Toda a passagem de Fone Bone e Smiley pela cordilheira, com uma pilha de filhotes (a desculpa acertada de Smith para, novamente, reverenciar “Pogo” de Walt Kelly), passando em níveis cada vez piores de dificuldades e perigos reais, é honestamente assombroso. O gigantesco leão da montanha, Kesho Durr, a princípio parece uma figura indecifrável, mas logo fica claro que ele se preocupa apenas consigo próprio e sua visão de realidade (de que o maniqueísmo não existe, assim também como o conceito de felicidade), apesar de amarga, não deixa de ser a mais pura verdade, o que é bastante impressionante para uma publicação do gênero (que mesmo cartunesca, passa longe de ser para crianças).

Enquanto isso, Phoney Bone em Barrico Doce, segue impagável e um dos melhores personagens do quadrinho, ora com suas rixas com Lucius, ora pelo plano absurdo que inventa para as pessoas da vila, e recebe tanto aprofundamento de princípios quanto os vilões. Dessa maneira, Smith faz com que o leitor enxergue e compreenda a motivação de praticamente todos os personagens. A desconfiança é instaurada junto do terror que assola o povoado, assim como o egoísmo é acentuado em muitos por conta disso.

Considerações finais

Todo o conceito por trás do Sonhar, a relação da Mãe dos Dragões com o Senhor dos Pesadelos, além da verdadeira identidade do Encapuzado e das escolhas que ele faz quanto a Espinho e Phoney, tornam a trama de Bone 2 ainda mais enervante, repleta de perigos que prendem o leitor às páginas, à medida que expande seu universo com novos elementos revelados. E mesmo no meio de toda essa ação, ainda descobrimos que muitos dormem com a leitura de Moby Dick, não por causa do texto, mas por causa da voz enfadonha de Bone. E assim, Jeff Smith prova que seu material é único e continua no topo, abrindo portas para um desfecho desconfortável e absurdamente instigante.

Bone 2: Phoney Contra-Ataca ou Solstício

Nome Original: Bone 2: Phoney Contra-Ataca ou Solstício
Autor: Jeff Smith
Editora: Todavia
Gênero: Quadrinho
Ano: 2019
Número de Páginas: 416

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