BONE 3: Amigos & Inimigos ou Colheita

de Jeff Smith, todavia (2019)

Não precisa de muito pra descobrir que Bone, assim como Hellboy, são os dois quadrinhos prediletos da minha vida. Acompanho ambos há mais de 20 anos e já li e reli suas edições inúmeras vezes. Suas histórias me acompanharam em fases e períodos bem distintos. Mas eu nunca havia lido o desfecho dos primos Bone no Vale e eu finalmente consegui isso, com a publicação de Bone 3, o último volume lançado no Brasil (algo que depois de outras idas e vindas em duas editoras anteriores, parecia quase impensável).

Jeff Smith é um mestre da narrativa, dos desenhos e da linguagem dos quadrinhos, trazendo muito da sua experiência com animação para a nona arte. Lembro até que o que mais me fisgou na primeira revista de Bone foi justamente essa pegada meio de storyboard. Era como se os personagens realmente conseguissem se mover entre os quadros e páginas de um jeito fluído e natural. Isso me marcou como leitor e me influenciou como quadrinista para sempre (vide o que comecei a fazer com ”Bosco” em 2011 ou ”Hotel Maravilha” nesse ano).

Também é chover no molhado afirmar que Bone é uma impressionante mistura de ”O Senhor dos Anéis” com Disney, ainda mais se compararmos Fone com Mickey, Smiley com Pateta e Phoney com… bem, Tio Patinhas. Toda a linguagem cartunesca que esses três apresentam são a maneira de Smith homenagear os desenhos animados. Incluindo também Hanna-Barbera no traço à lá Alex Toth de Espinho; Lucius e Vovó Ben (a fuça do Popeye, de quem também se equipara em força); ou dos quadrinhos de Walt Kelly, com o sensacional ”Pogo” – além do trio de “ossinhos”, ainda existem os animaizinhos da floresta, uma clara referência às tirinhas.

Bone 3

Bone 3

Mas as relações com a cria de Tolkien são ainda mais evidentes, se enxergarmos os Bone como hobbits, que também saíram e se perderam de sua vila para entrar de cabeça num mundo de fantasia, com tesouros, princesas e dragões. E que, à medida que a trama avança (ainda mais comparando as primeiras edições com as últimas), nota-se o quanto os três vão sendo “corrompidos” pela crueza da realidade.

Neste terceiro e último encadernado lançado pela todavia, temos algumas páginas banhadas em sangue. Lâminas fincadas em corpos estirados pelo chão, depois de uma batalha épica e brutal, personagens feridos gravemente e mortes agressivas o suficiente para impressionar qualquer pré-adolescente. Ainda mais se formos lembrar que, muito antes, estávamos rindo da absurda corrida de vacas.

E o que o autor realiza é na intenção progressiva de maturidade de seu trio junto do público, que de fato nunca foi infantil. Apesar das novas edições serem coloridas belamente por Steve Hammaker para talvez ganhar mais atenção dos novinhos, as HQs originais foram concebidas em PB, o que torna tudo ainda mais interessante durante a leitura.

Contando histórias

Jeff Smith já havia se consagrado como quadrinista muito antes (com Bone ganhando inclusive capas especiais de Alex Ross, Charles Vess e Frank Miller, três mestres da nona arte). Aqui ele também se prova um baita contador de histórias. Sua fantasia pode fazer frente facilmente não só a ”O Senhor dos Anéis”, como a ”Harry Potter” e ”Fronteiras do Universo”. Isso só para citar alguns best-sellers (e independentemente de quanto humor ele use), dada a qualidade do enredo que compõe e aumenta em escala nos últimos volumes.

Assim, temos raças e facções bem planejadas, cenários deslumbrantes e repletos de segredos. De Tanen Gard a Caverna do Velho, da taberna Barrico Doce a Pedra do Pecador etc. Objetos mágicos como a Coroa de Chifres (chuto que seria “de espinhos”, para relacionar com o nome da protagonista, mas aí é uma escolha do tradutor, que eu respeito), além de uma riquíssima mitologia envolvendo o Vale, como a mãe dos dragões Mim ser uma representação do Ouroboros/ infinito e também a criadora do universo.

Em contrapartida, o Senhor dos Gafanhotos ser um pesadelo que pretende sucumbir a vida em trevas (estou sendo simplista no resumo, mas é como Lúcifer e Sauron já tentaram em suas tramas) e que está aprisionado no abismo de uma montanha, contando com o Encapuzado para realizar suas terríveis ações em campo, junto das ratazanas e homens guerreiros que subverteram suas crenças.

Bone 3

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A publicação da todavia segue a boa qualidade dos dois encadernados anteriores e ainda traz um mapa completo do Vale. Mas apesar de compreender a escolha da capa (que é um recorte do final e simbolicamente é tocante), não orna com as outras duas edições. Ela fica destoante nessa proposta de coleção que eles montaram. Ainda mais considerando que Bone oferece tantas capas formidáveis e lindíssimas.

Eu também nunca vou aceitar a ausência do nome do autor na capa, é o mínimo. E mesmo que a editora tenha se baseado nos compilados originais norte-americanos, fazer uma galeria com as capas minúsculas no final parece pouco. Elas poderiam, ao menos algumas, ganhar uma página inteira entre um capítulo e outro. Um prefácio também seria bem-vindo e, bem, quem sabe essas melhorias não poderiam vir em reimpressões futuras, não é?

Bone 3 é épico, amarrando todas as pontas soltas, enquanto mantém certo senso de aventura e comédia aqui e ali, com ao menos uma grande perda pelo caminho. O desfecho não entrega qualquer novidade e pode-se passar a impressão que o trio terminou da mesma maneira que começou, mas fica evidente no corpo e na alma dessas criaturinhas que eles passaram por muita coisa e isso ficará com eles; mas que principalmente, graças às suas contribuições, seja na empatia, na ambição ou na coragem, os primos Bone mudaram um mundo para sempre. O do Vale e o nosso, leitores. Obrigado, a jornada até aqui foi fantástica.

Bone 3: Amigos & inimigos ou colheita

Nome Original: Bone 3: Amigos & inimigos ou colheita
Autor: Jeff Smith
Editora: Todavia
Gênero: Fantasia, Aventura
Ano: 2019
Número de Páginas: 512

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