Boneco de Neve, suspense instigante
Filme tem uma grande história para contar, mas se atrapalha na ilha de edição
Baseado no elogiado livro homônimo de Jo Nesbø (que eu não li, portanto não vou me ater ao fato adaptação, somente do filme enquanto filme), a trama de Boneco de Neve acompanha o detetive Harry Hole, com a ajuda da policial Katrine, que passam a investigar as ações de um serial killer em Oslo, que deixa um boneco de neve sempre que faz uma nova vítima, geralmente mulheres mães de crianças, em um casamento conflituoso.
Tomas Alfredson me conquistou pela primeira vez com o formidável “Deixa Ela Entrar”, em 2008 (que dois anos depois ganhou uma refilmagem americana, revelando outro grande diretor dessa geração, Matt Reeves) e em seguida com o excelente “O Espião que Sabia Demais”, de 2011, desde o princípio deixando sua marca em cada produção.
Em Boneco de Neve ele mantém seu estilo em alta, principalmente nas belas tomadas nevadas da Noruega (dá para sentir na pele o frio extremo que seus personagens sentem), à medida que compõe um suspense com força, principalmente nas primeiras cenas, sem entregar nada de bandeja logo de cara e vai evoluindo a tensão e o mistério durante toda a rodagem.
Boneco de Neve
Entretanto, fica visível alguns cortes estranhos de edição, tanto entre uma mudança de câmera e outra, quanto entre algumas cenas. É notável que faltou algo ali no meio ou até que uma sequência de ação não orna com o que vem em seguida. É claro que tais aspectos técnicos podem passar despercebidos para o grande público, que só busca uma sessão de um bom suspense e de fato terá isso por aqui, afinal Alfredson sabe construir suspense, sabe entregar pistas falsas e colocar suas figuras em tela sofre forte pressão e dramatização.
Portanto, por mais que o espectador se perca aqui e ali (“por que esse personagem apareceu aqui?”, “ela morreu ou está desmaiada?”, “por que ele fez isso com aquilo?”), ainda dá para apreciar toda a rodagem, pois muitos outros longas fizeram uso dos mesmos clichês e depois nos recompensaram com respostas ou soluções críveis. E, bem, não é exatamente o que acontece por aqui.
Tais problemas ficam mais evidentes na meia hora final, deixando grandes interrogações na cabeça do público, que fica sem respostas enquanto acompanha o desfecho inevitável. A bem da real, eu já havia sacado quem era o assassino ainda no segundo ato do filme, durante a cena do trem, mas é inegável que o diretor soube dar várias voltas para que isso não ficasse tão óbvio (e não é).
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E essas voltas, ou subtramas, ganham um corpo interessante, mas infelizmente não são desenvolvidas, apenas jogadas pra lá e pra cá, desprovidas de propósito, como os momentos com um irreconhecível Val Kilmer (que tinha acabado de chegar de um tratamento de câncer) ou até de J. K. Simmons, bastante descolado do enredo principal.
Entre os protagonistas, Michael Fassbender consegue vender o alcoólatra sem autopreservação, porém nada a respeito de seu passado é dito e jamais compreendemos os motivos de porque ele ser assim (portanto, difícil de simpatizar com ele). Rebecca Ferguson tem objetivos mais claros na trama, ainda que ela se porte de maneira inconstante durante toda a rodagem, ora ingênua, ora esperta, ora corajosa, tendo um destino estranho, que não me ficou claro a princípio, dado o comportamento de seus colegas em seguida.
Admitiram a culpa…
Na ocasião de lançamento do filme, Tomas Alfredson afirmou que teve um tempo de filmagem muito curto e só percebeu que faltavam partes importantes da trama já na edição. Sim, ele e sua equipe esqueceram de filmar algumas cenas e perderam páginas do roteiro em meio aos ventos invernais. Embora admitir o erro seja admirável, isso não ameniza os problemas causados por ele.
Por outro lado, seria hipócrita dizer que Boneco de Neve não prende a atenção do espectador do começo ao fim, pois prende. E mesmo num mar de estranhezas pontuais, ele sustenta seu suspense até o clímax, onde então revela para valer os defeitos antes escondidos pela neve, com as pontas soltas que jamais se fecham.