Carvão

Irene (Maeve Jinkings) vive com o marido, Jairo (Rômulo Braga), o filho Jean (Jean de Almeida Costa) e o pai, um homem idoso e doente, em uma casa precária em uma cidade pequena. A vida é difícil e quando ela recebe a proposta de hospedar Miguel (César Bordón), um traficante argentino, ela aceita.

Antes da chegada dele, no entanto, alguns preparativos precisam ser feitos e a família se prepara para uma temporada complexa.

A trama

A trama de Carvão é um tanto quanto misteriosa, mas faz sentido que boa parte do que acontece em cena seja mantido em segredo para que a surpresa seja maior, já que o filme se vale muito disso.

O longa segue uma família de baixa renda, vivendo em uma cidade pequena e quase sem nenhum recurso. Eles têm uma carvoaria e vivem do dinheiro que ela dá, mas não é suficiente. Irene e Jairo sustentam não só o filho deles, Jean, como também o pai dela, que precisa de oxigênio para poder respirar e que já não fala mais. A sorte parece bater na porta deles quando uma enfermeira, Juracy (Aline Marta Maia) lhe faz uma proposta tentadora: receber um traficante argentino, que precisa se esconder imediatamente.

Mas se a proposta faz os olhos da família crescerem, ela também é perigosa, e já chega trazendo a tragédia para eles.

Teatro do absurdo

Carvão parece seguir uma história comum e até ordinária, em muitos sentidos. O que vemos em cena, pelo menos a princípio, é a realidade de muitos brasileiros, mas aos poucos, o longa vai tomando outros contornos.

A primeira reviravolta – ainda que tudo nesse filme seja bem discreto, quase monótono – é justamente a proposta de Juracy, e o que a família precisa fazer para se preparar para a chegada de Miguel. A partir daí, Carvão toma rumos inesperados, que não podem ser chamados de plot twists, mas que vem com a intenção de deixar o público cada vez mais abismado. Curiosamente, os personagens do filme não se abalam com o que acontece com tanta facilidade, é como se eles já estivessem imunes a qualquer coisa que lhes acontecesse, afinal, o absurdo é tão recorrente, que já virou comum.

O filme então, faz um paralelo com o Brasil e com o que acompanhamos nos últimos quatro anos: ações e falas surreais por parte do governo, uma pandemia global que foi completamente ignorada por quem deveria se preocupar com ela, ameaças constantes a democracia e um completo marasmo da população, que assiste tudo sem saber o que fazer e que cada vez mais, normaliza tudo isso, como se vivêssemos tempos normais.

Aspectos técnicos de Carvão

Carvão é um filme tecnicamente simples, ainda que seu roteiro seja bem pensado. O filme todo se passa na pequena cidade onde a família vive, e boa parte dele se dá na casa onde eles moram. O cenário é importante porque não só percebemos em que condições a família vive, mas também é tudo que Miguel, o argentino, vê, já que ele não pode sair em público. O filme é muito bem caracterizado, os cenários e os figurinos complementam muito a trama e tem essa capacidade de colocar a audiência dentro dessa história e até chegar a compreender o que acontece ali, o que mais uma vez, naturaliza o absurdo que vemos em cena.

O filme se escora nesses momentos em que achamos que não dá para ir mais longe, mas logo descobrimos que dá, e isso é uma constante. É tudo muito sutil, até essas reviravoltas, que se olhadas de maneira descuidada, quase parecem o dia a dia, mas Carvão fala diretamente com o Brasil e com tudo que se desenrola nesse país. Justamente porque não se faz muito alarde para as reviravoltas ou ainda para o que eles significam a longo prazo é que fica a sensação de que tudo que acontece é completamente da ordem do ordinário, a família também se comporta como se tudo estivesse na mais perfeita normalidade.

Carvão tem ótimas atuações, todo o elenco é muito comprometido e se sai muito bem, no entanto, Maeve Jinkings é a grande estrela do filme, ela está ótima e encarna a personagem de maneira espetacular: na caracterização, na postura, nos trejeitos e na maneira com quem ela dá suas falas.

O longa também ganha na sua sutileza, nada que acontece aqui é óbvio, nem no nível da trama, nem no nível da interpretação do que existe por trás. Por isso, ele pode parecer lento, embora esteja bem longe de realmente o ser.

Carvão usa de sua trama quase surreal para falar de uma realidade que ultimamente supera a ficção e acerta na sua precisão. O filme chega aos cinemas no dia 3 de novembro.