Cine Marrocos – O cinema em todas as suas formas
No prédio onde antigamente funcionava o Cine Marrocos vivem vários sem-teto, refugiados africanos e imigrantes latino-americanos. Enquanto eles contam suas histórias de vida e nos explicam como foram parar ali, a equipe do filme ensaia com eles e prepara cenas de clássicos do cinema, como A Grande Ilusão e Noites de Circo.
O Cine Marrocos
Localizado no centro de São Paulo, o Cine Marrocos era uma sala de cinema que ficava no térreo de um prédio de escritórios de doze andares, inaugurado em 1951. O projeto era ambicioso e suntuoso, sua decoração era inspirada nas histórias de Mil e uma Noites. Ele foi muitas vezes anunciado como “o mais luxuoso cinema da América Latina” e chegou a receber o primeiro Festival Internacional de Cinema do Brasil, em 1954.
Nos anos 1970, no entanto, as coisas mudaram e depois de ter sido interditado por não exibir filmes nacionais, o Cine Marrocos passou por uma reforma que dividiu sua sala em duas e o local passou a também exibir pornochanchadas. No início da década de 1980, o Cine Marrocos teve o mesmo destino de boa parte dos cinemas antigos do centro de São Paulo e passou a exibir apenas filmes pornográficos.
O prédio então, foi tombado pelo CONPRESP em 1992 e, dois anos depois, encerrou suas atividades passando a ser alugado para eventos. Em 2010, a prefeitura desapropriou o prédio porque pretendia usar o lugar como sede da Secretaria Municipal de Educação mas, isso nunca aconteceu e, em 2013, o Cine Marrocos foi ocupado pelo Movimento dos Sem Teto do Sacomã (MSTS) e é aí que o longa começa.
Os moradores
Quando o documentário começa, o prédio que antes foi um cinema glamoroso, já é um lugar decadente, que ainda preserva suas características originais, mas que atualmente serve de moradia para várias famílias e estrangeiros. O telespectador acompanha um pouco da organização dos moradores através das entrevistas que são apresentadas. Cada família vive em uma das salas dos doze andares, que costumavam ser escritórios.
O longa se preocupa em entrevistar alguns desses moradores, que contam suas histórias e assim se aproximam do público. Os entrevistados têm os mais variados tipos de histórias pregressas, alguns deles perderam a família e entraram em depressão, outros saíram de seu país natal em busca de uma vida melhor ou porque sofriam perseguições políticas, e um dos pontos mais interessantes do longa é entender como que todas essas vidas convergiram no edifício abandonado do Cine Marrocos.
A equipe também entrevista o líder do MSTS, que fala sobre a ocupação e sobre as regras que são impostas aos moradores. Outro assunto que o filme traz à tona, mesmo que de maneira discreta, é a política pública do país. É impossível não falar sobre as decisões dos gestores quando essas pessoas vivem na rua e eventualmente em prédios que elas precisam ocupar e sair quando assim é decidido. O doc não entra a fundo nesse tema, que seria muito extenso, e não é a chave que o documentário pretende seguir.
As cenas
O intuito de Cine Marrocos no entanto, é mostrar uma série de cenas de filmes famosos refeitos pelos moradores do antigo cinema. Para tal, a equipe os filma enquanto eles assistem aos filmes que irão retratar, e depois enquanto eles treinam as cenas e fazem alguns exercícios de teatro. Mais tarde, a edição junta as cenas originais com as cenas que foram reproduzidas.
É bem interessante acompanhar os moradores evoluindo e se aclimatando aos textos que vão atuar, ao mesmo tempo que os assistimos contando detalhes de suas vidas. O resultado final é muito bem produzido e alguns dos moradores surpreendem com uma grande qualidade de atuação.
Cine Marrocos consegue então, trazer à tona muitas das questões que circundam a vida dessas pessoas, quando fala sobre suas histórias de vida e explica como elas acabaram em uma ocupação no centro, ao mesmo tempo que apresenta cenas de filmes clássicos de maneira belíssima. O documentário não foge de questões sociais importantes, mas não as deixa explícitas e nem torna o filme didático.
Aspectos técnicos de Cine Marrocos
Este é um documentário no sentido mais clássico da palavra. Ele mostra a situação, os acontecimentos e o que as pessoas envolvidas têm para falar sobre isso. Não há outros pontos de vista além do dos moradores, mas isso não é exatamente um problema, já que o longa não discute a ocupação, mas sim, tem a intenção de mostrar as oficinas de teatro que os moradores fazem.
O filme aborda temas importantes como a ocupação e a necessidade dessa ocupação, assim como a vida pregressa dos moradores do local, mas faz isso de uma maneira menos óbvia, como se essas histórias fossem um meio para chegar ao fim, que são as cenas reinterpretadas, mas ainda dá o espaço que essas vidas merecem.
A montagem é a grande estrela de Cine Marrocos, uma vez que o filme mistura cenas dos clássicos originais e as cenas que os moradores encenam e, muitas vezes, fica difícil até dizer qual é qual. Quando elas são colocadas lado a lado, misturando os frames, o telespectador consegue ver as diferenças e as semelhanças.
A dinâmica do roteiro é sempre muito parecida: um morador conta a sua história e então, assistimos os ensaios dele e a cena que ele reproduziu. Isso vai ficando um pouco cansativo, mas não prejudica o longa de maneira geral, que ainda passa a sua mensagem e é muito bonito.
Cine Marrocos trata de questões importantes de maneira que soa leve e enquanto apresenta histórias de vidas diferentes, também é um deleite para os olhos do telespectador. O filme entra em cartaz no dia 3 de junho.