A Coisa, obra-prima de Stephen King
Lançado em 1986 e ganhador do British Fantasy Award de 1987, A Coisa, de Stephen King, é considerada a obra prima do autor. O livro narra a história de 7 crianças que se auto denominam o Clube dos Perdedores (Clube dos Otários, em edições mais recentes) e como eles enfrentaram um ser sobrenatural que ronda a Terra (mais especificamente, a cidade fictícia de Derry) há milhares de anos.
A Cidade de Derry é acometida constantemente por tragédias, assassinatos e acontecimentos peculiares. De mais ou menos 25 em 25 anos, crianças desaparecem sem deixar vestígios ou são assassinadas. É justamente com a morte mais triste do livro que nós entramos na história. Em um dia chuvoso de 1958, Georgie Denbrough, de apenas 5 anos, sai na rua para brincar com um barquinho feito pelo seu irmão mais velho, Bill.
Georgie é encontrado algumas horas depois, morto, com parte do corpo dentro de um bueiro e sem um braço. Seu irmão, Bill, se sentindo culpado pela morte de Georgie, passa não só a investigar, como também a perseguir A Coisa.
A Coisa, de Stephen King
A primeira vez que eu li A Coisa, eu tinha 15 anos e era uma leitora voraz de Stephen King, então o livro se tornou meu favorito logo de imediato. Eu não conseguia largar por nem um minuto. O que mais me surpreendeu foi que eu comecei achando que ia ler um terror bem pesado, com cenas fortíssimas, quando na realidade, o livro é um romance de formação, que fala sobre crianças se tornando adultas.
King disse que quando pensou na ideia inicial de A Coisa, ele queria escrever pela última vez sobre os monstros clássicos do terror. Até aquela época ele já tinha escrito sobre vampiros (A Hora do Vampiro, ou Salem’s Lot), lobisomens (A Hora do Lobisomen) e fantasmas (O Iluminado). Depois de A Coisa, ele escreveria livros que não são tão atrelados ao gênero do terror, mas tem sempre uma pontinha de sobrenatural (À Espera de Um Milagre, Love – A História de Lisey, Dumma Key, Novembro de 63). Faz sentido então, dizer que A Coisa é a junção desses dois estilos.
O que é a Coisa?
Nós temos todos os monstros comuns dos clássicos do terror, já que A Coisa pode adquirir qualquer forma, e geralmente, ela aparece como maior medo da pessoa. Entretanto, nós também temos outros assuntos que são trazidos à tona, quase no plano de fundo da história.
Para começar, o livro fala sobre bullying. Tanto Bill, o protagonista da história, quanto as outras crianças do Clube dos Perdedores sofrem bullying na escola. Todos eles são “diferentes” e não se encaixam por algum motivo. Talvez seja esse um dos motivos que me fizeram gostar tanto desse livro, já que eu mesma tive diversos problemas com bullying durante praticamente minha adolescência toda. Dessa forma, quando eu li A Coisa, eu senti não só uma identificação enorme com todos aqueles personagens, mas também como se eu mesma tivesse sido acolhida pelo Clube dos Perdedores.
Losers
King dá, com frequência, voz aos perdedores, aos underdogs. Ele vem falando de bullying desde o seu primeiro livro, Carrie, A Estranha, de 1974, uma época em que nem existia a palavra bullying. E se Carrie parece uma solução meio extrema para o problema, A Coisa parece um meio termo ideal. Além do mais, como todo bom terror, faz a gente achar os nossos problemas bem pequeninhos, já que sofrer bullying no colégio parece nada se comparado a enfrentar um ser milenar que se alimenta de crianças, mesmo que o bullying retratado no livro, seja bem pesado e violento e passe bem longe de “coisa de criança”.
A obra fala sobre outras coisas, de maneira rápida, mas pontual, assim como pedofilia, violência contra a mulher, violência contra a criança, homofobia, racismo, anti-semitismo, fazendo do livro não só uma história de terror que não te deixa dormir à noite, mas uma história que te faz pensar sobre assuntos que estão em pauta, e sendo discutidos ainda hoje.
Um livrão
O livro é divido em 5 partes que se alternam entre 1958, quando A Coisa surgiu pela primeira vez para o Clube dos Perdedores e 1985, quando A Coisa aparece novamente. Entre as partes em que acompanhamos os protagonistas, também lemos sobre outras coisas que aconteceram na cidade. Também fala sobre traumas de infância, como enfrentá-los, como eles podem nos acompanhar até a vida adulta e como a infância pode definir todo o resto da vida de uma pessoa.
Claro que sendo um livro do Stephen King, A Coisa tem uma boa dose de terror. Há uma galeria enorme de monstros e assombrações que vão deixar muita gente sem dormir. Mas para mim, o que mais marcou é como King desenvolve todos esses temas complexos, não só os que falam da cidade (e automaticamente, do mundo) e do comportamento das pessoas, mas também coisas menores, como a amizade entre as crianças, o primeiro amor, a dificuldade de se comunicar com os adultos e como as crianças vivem em um mundo, que é delas e que os adultos, muitas vezes, não entendem.
Romance de formação
Embora seja considerado um livro de terror, A Coisa é um romance de formação. Certamente não um clássico, mas um livro que te deixa com a sensação de conhecer cada um daqueles personagens. O tanto de mitologia usada no livro me faz acreditar que King pensou muito antes de colocar tudo no papel, porque o livro é todo fechadinho, não deixa nenhuma ponta solta.
E eu sei, o livro é enorme (1104 páginas, na edição mais recente da Suma de Letras), mas assim que você entra na leitura, isso se torna um detalhe. E quando termina, você fica querendo mais páginas.
Um elemento que eu particularmente gosto muito e que para mim é o coração da história toda é a relação entre Bill e o seu irmão mais novo, Georgie. Afinal de contas, a morte de Georgie além de abrir o ciclo de mortes nos anos 1950, também é o mote de Bill para buscar o monstro que vem aterrorizando a cidade. Essa relação, que permeia o livro inteiro, é construída ainda no primeiro capítulo, mais ou menos em 6 páginas.
Tem defeitos?
Como tudo na vida, A Coisa, de Stephen King não é um livro perfeito. Alguns personagens do Clube dos Perdedores são deixados de lado em função de outros. Enquanto sabemos cada detalhe dos pensamentos do Bill, o que dá para relevar, porque ele é o protagonista, e grande parte dos pensamentos de Ben, Richie, Bev e Eddie, Mike e Stan são meio deixados de lado, tanto na primeira parte do livro, quando todos são crianças, quanto na segunda parte, quando eles são adultos.
Isso dá a sensação de que esses dois personagens estão lá quase como uma “cota”. Mike é negro e Stan é judeu. Ou então para completarem o número cabalístico de 7 que tanto é citado no livro. Outra coisa que notei nessa segunda leitura é que as crianças do livro falam como adultos. O Bill de 12 anos algumas vezes soa mais sábio que seus pais. Isso, na verdade, é uma prática recorrente em histórias que falam sobre crianças ou adolescentes que são “escolhidos”.
E por último, uma cena no final do livro, que aparentemente não agradou ninguém, também não me agradou em nenhuma das leituras. O próprio King já admitiu que talvez a cena não tenha sido tão bem pensada assim e que se fosse hoje em dia, ele não a escreveria. Não vou dar mais detalhes para evitar spoilers.
E no fim…
12 anos se passaram desde que eu li este livro pela primeira vez. Reli recentemente, não só porque logo o remake vai entrar em cartaz, mas também para saber se ele ainda era meu livro favorito. Dessa vez, eu entendi coisas que eu não tinha entendido da primeira vez, o que deixou a leitura mais enriquecedora ainda. E, embora eu tenha críticas, que eu não vi na primeira leitura, eu mantenho minha opinião sobre esse ser meu livro favorito. Afinal, se ficou na minha memória por 12 anos e nesse tempo nunca perdeu o lugar para nenhuma leitura posterior, deve ser um bom livro.
Se for igual esse texto, não tenho dúvidas. Bom que já sei a história do filme, aliás, tem relação?
Se for igual esse texto, não tenho dúvidas. Bom que já sei a história do filme, aliás, tem relação?
Se for igual esse texto, não tenho dúvidas. Bom que já sei a história do filme, aliás, tem relação?
Tem dois filmes baseados nesse livro: um de 1990 e esse de 2017, que foca nos personagens crianças. Tá previsto uma continuação para 2019, com os personagens adultos.