Como Nossos Pais, um retrato de cada um nós

17Maria Ribeiro brilha em Como Nossos Pais, neste que é o maior papel de sua vida, um filme nacional singular e formidável, que coloca uma figura almejando equilibrar a função de ser mãe, filha, profissional e principalmente mulher, durante uma turbulência familiar que vira sua vida de ponta-cabeça, envolvendo a revelação de seu verdadeiro pai, o triste futuro que aguarda sua mãe, a rotina estressante e o presente coberto de mentiras, escorregões e incertezas, comuns a todos nós.

Diretora de mão cheia, Laís Bodanzky compõe aqui o seu melhor trabalho, sufocando sua protagonista Rosa (e as demais figuras que a orbitam) com uma câmera estática e sempre muito próxima aos personagens, evitando cortes de edição e favorecendo atuações espetaculares, permitindo longas sequências de diálogos críveis, humanos, sensíveis e marcantes, que abre palco para um vida como a nossa, onde qualquer espectador consegue se identificar e encontrar pelo menos um paralelo. Empáticos e realistas aos extremos, o marido, as filhas, a mãe, os pais, o affair, todos são retratos de pessoas que conhecemos, convivemos ou nos relacionamentos, em outras, temos um espelho diante de nós, seja na figuração de um personagem, seja na vida que ele leva.

É sério, Maria Ribeiro merecia um Oscar por seu papel de Rosa. Praticamente, todos os momentos que ela entrega no longa são fantásticos. E “entrega”, aliás, é a palavra-chave. É evidente o que ela faz aqui, ao se entregar completamente para a personagem, que depois do primeiro impacto, percebe o quão infeliz tem sido e resolve retomar as rédeas da própria vida. Mas não estamos em uma comédia romântica. O cinema nacional é riquíssimo, inclusive, pela crueza e realismo, por isso não existem saídas fáceis por aqui, nem uma jornada estruturada, tão pouco um desfecho esperado. A vida segue, é o que tem pra hoje.

O filme já diz a que veio nos primeiros cinco minutos, em um típico almoço familiar de domingo, com parentes e crianças, e conversas constrangedoras, que culmina numa revelação fora de tom e que serve como gatilho para protagonista rever sua vida. Mas não somente. Um problema no emprego, da qual ela, enquanto escritora de gaveta, é infeliz (e muitos artistas vão se identificar aqui), também serve como empurrão. Soma-se a isso o papel do marido ausente que não ajuda em casa e infelizmente cai no estereótipo da infidelidade (tal qual o pai, um artista sonhador despreocupado, mas amável); ou o da mãe, uma antiga militante que pega no pé e imbatível em suas decisões, mesmo próxima do fim (tal qual a filha, a protagonista, segue firme e forte contra a filha mais velha, que é combativa como ela já foi e se rebela durante a rotina); enquanto correndo por fora, temos um affair idealizado, um típico príncipe encantado moderno (e que nada mais é do que o que nós, homens, poderíamos ser), que compreende o papel da mulher na sociedade atual, mas conduz o discurso sem panfletar, permitindo aqui um desabafo feminista rico e importante.

Dessa forma, o filme traça paralelos geniais, do marido com o pai, de mães com filhas, em um ciclo que vai além do hereditário, mas também da herança da criação, do eco do comportamento humano, da qual ninguém consegue escapar no início, mas encontra uma saída depois. Bodanzky usa o filme também para tratar de outros temas além de continuidade familiar e feminismo, abordando ainda traição, mentira, frustração e sufoco, numa busca incessante por mudança.

Como Nossos Pais se consolida como um dos maiores filmes nacionais de todos os tempos, a medida que é um retrato fiel da vida de cada um de nós. Recomendadíssimo.

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