Desalma (1ª Temporada) – Original Globoplay
Depois da morte do marido, Roman (Nikolas Antunes), Giovana (Maria Ribeiro) se muda com as duas filhas, Melissa (Camila Botelho) e Emily (Juliah Mello) para Brígida, a cidade natal de Roman.
Brígida é habitada basicamente por descendentes de ucranianos e se prepara para comemorar, depois de 30 anos, a tradicional festa de Ivana-Kupala. Giovana e as filhas tentam se habituar e entender o que, de fato, aconteceu com Roman, e os nativos começam a relembrar o que aconteceu na última Ivana-Kupala, quando Halyna Lachovicz (Anna Melo) foi morta, enquanto uma força sinistra se aproxima de Brígida.
Folk horror à brasileira
Desalma é ainda uma exceção no audiovisual brasileiro. É uma série de terror que explora elementos sobrenaturais e que tem um clima de suspense que permeia todos os seus episódios, mas também se encaixa perfeitamente no gênero folk horror, do qual também fazem parte filmes como O Homem de Palha e Midsommar – O Mal Não Espera a Noite. O que torna essa série diferente, no entanto, é o fato de a história se passar no Brasil.
Claro que a série retrata uma pequena comunidade situada na cidade fictícia de Brígida, que fica no Rio Grande do Sul e que, ainda hoje, tem fortes influências ucranianas, seja no nome de seus habitantes, seja nos costumes do local, e que por isso, não se comunica, nesse sentido, com boa parte do Brasil, mas de certa maneira, funciona.
Desalma tem muitos aspectos da cinematografia europeia, mas como se passa nessa pequena cidade, com fortes influências da Ucrânia, é fácil comprar a trama, ainda que não exista nenhum reconhecimento com essa vida. Mesmo porque sabemos que o Brasil é um país plural e que é impossível resumi-lo a uma única tradição e cultura.
A produção mergulha fundo em vários aspectos do folk horror: a cidade pequena e sinistra, os habitantes estranhos, a festa, que para quem é de fora, é totalmente incompreensível, e as protagonistas que são forasteiras e que estão tentando entender o local, mas traz esse universo para o Brasil, mesmo que esse seja um Brasil meio específico.
A forasteira de Desalma
A trama começa com um clichê do gênero que normalmente é usado em histórias que tem cidades pequenas como cenário: a chegada de um forasteiro. Na série, Giovana, a viúva de Roman, vai para Brígida com as duas filhas para viver na casa que pertence à família e que ela herdou após a morte do marido. Lá ela se depara com uma cidade onde todo mundo se conhece e que sabe o passado de seu marido.
É através dos olhos de Giovana e de suas filhas que o telespectador, que também é um forasteiro, entra em Brígida e começa a conhecer essa cidade tão peculiar e tão sinistra. Enquanto Giovana se acostuma com seu novo emprego e tenta entender mais sobre a morte e a vida de seu marido, Melissa, a filha adolescente, tenta se enturmar entre os jovens do local.
A cidade se prepara para comemorar, depois de trinta anos, a festa de origem pagã, Ivana-Kupala, mas algo sinistro está no ar e Emily, a filha mais nova de Giovana é a primeira a notar quando percebe o comportamento estranho de Anatoli (João Pedro Azevedo), filho de Ignes (Cláudia Abreu), prima de Roman.
Giovana e as filhas não são só as forasteiras que dão o pontapé na história para os telespectadores, é quase como se elas também fossem responsáveis pelo que está acontecendo em Brígida.
O passado e o presente
O passado é uma questão muito importante na série e, por isso, Desalma intercala os acontecimentos de 1988 e de 2018, através de flashbacks.
Em 1988, acompanhamos a adolescência de Roman (Eduardo Borelli), Ignes (Valentina Ghiorzi) e a morte trágica de Halyna na noite de Ivana-Kupala. Já em 2018, esses personagens aparecem adultos e acompanhamos os seus filhos, que se preparam para celebrar a Ivana-Kupala pela primeira vez.
O passado e o presente se intercalam rapidamente quando os segredos da cidade começam a surgir e quando os habitantes passam a se comportar de maneira cada vez mais estranha. Esse não é um sentimento que passa despercebido de Haia (Cássia Kis), mãe de Halyna, conhecida como a “bruxa” da cidade, que vem esperando o momento certo de se vingar.
Fica claro que Brígida não guarda apenas um segredo, mas sim vários, e é impossível largar a série sem descobrir pelo menos alguns.
Aspectos técnicos
Desalma é uma série de alta qualidade, que faz qualquer pessoa valorizar a produção nacional e seus aspectos técnicos são muito cuidadosos. Os cenários e os figurinos nos colocam totalmente dentro de Brígida. Algumas das locações parecem europeias, assim como as roupas, que são basicamente roupas de frio, o que dá à produção um pouco do clima de série internacional, mas isso não é um problema e nem soa falso, porque desde o começo fica pré-estabelecido que Brígida não só é uma cidade fundada por ucranianos, como também é um lugar muito especifico e todas as suas idiossincrasias fazem sentido dentro do que a série se propõe.
A produção aposta bastante em tons escuros, meio outonais, e isso aparece não só na paisagem, como também nos figurinos dos personagens. As únicas exceções são as duas festas de Ivana-Kupala, que são o grande clímax da produção. Lá os jovens usam roupas claras e coloridas e as meninas enfeitam os cabelos com flores. Também é interessante notar como a festa de 1988 é diferente da de 2018. A primeira é uma típica festa pagã que vemos em filmes, com fogueiras e danças, e a segunda já é praticamente uma rave, com música eletrônica e luzes fortes.
Um dos problemas de Desalma é a atuação quase robótica do elenco. As falas soam um pouco teatrais, como se tivessem sido ensaiadas demais, mas isso não acontece com todo o elenco. Cláudia Abreu e Maria Ribeiro se saem muito bem e Cássia Kis rouba todas as cenas em que aparece. Os diálogos mecânicos, por outro lado, não atrapalham o resultado final.
Desalma prende o telespectador desde o seu primeiro episódio, o roteiro é bem pensado, e os mistérios que surgem a cada minuto, vão deixando a plateia cada vez mais curiosa. O ritmo da série é lento, mas está longe de ser cansativo.
Com uma boa produção e uma trama intrincada e cheia de suspense, Desalma é uma série que pode facilmente se igualar a qualquer produção internacional do gênero e que prova que o audiovisual brasileiro tem muito a entregar.