Desencantada
A continuação de Encantada
Dez anos se passaram desde que Giselle (Amy Adams) deixou Andalasia e passou a viver com Robert (Patrick Dempsey) em Nova York. Os dois agora criam Morgan (Gabriella Baldacchino), a filha adolescente de Robert, e Sofia (Mila e Lara Jackson), a filha dos dois, mas a vida não é o conto de fadas que Giselle esperava e ela sempre se questiona se esse é o seu “felizes para sempre”.
Giselle sugere que a família se mude para o subúrbio de Monroeville, mas ainda assim, as coisas não são perfeitas e Giselle deseja que eles passem a viver, literalmente, em um conto de fadas. O desejo de Giselle se realiza, mas logo ela percebe que está se tornando a madrasta malvada de Morgan.
Desencantada é a continuação de Encantada.
O caminho inverso
A premissa de Encantada era jogar uma princesa típica de contos de fadas no mundo real e fazê-la enfrentar problemas reais. Giselle, que estava prestes a se casar com seu príncipe encantado, Edward (James Marsden), é jogada pela madrasta (Susan Sarandon) no meio de Nova York, onde ela conhece Robert e descobre que esteve errada sobre as suas concepções de amor verdadeiro e felizes para sempre. A vida não é mesmo um conto de fadas, mas Giselle está disposta a vivê-la. A ideia era interessante, porque é diferente e porque fazia piada com os próprios filmes da Disney, que já estavam com fórmulas bem repetidas na época do lançamento do longa.
Nessa continuação, parece natural fazer o caminho inverso, afinal, Giselle agora mora em Nova York, tem uma filha bebê, lida com a rotina, com o cansaço, e com Morgan, a filha adolescente de Robert, ou seja, ela não é mais uma princesa vivendo um conto de fadas, e sim, uma mulher normal, ainda que esteja cheia de trejeitos de princesa.
Embora Giselle ame sua família e seja feliz, ela quer uma vida mais próxima dos contos de fadas possível e eles se mudam para o subúrbio acreditando que lá tudo vai ser melhor, mas Giselle ainda vê dificuldades, Morgan ainda é uma adolescente e Robert precisa pegar o trem para trabalhar em Nova York todos os dias. Giselle então, deseja que a vida se torne literalmente um conto de fadas e isso se realiza.
De princesa à madrasta
Depois que o pedido de Giselle se realiza, Monroeville se torna Monrolasia e vira uma espécie de vila medieval, onde Malvina Monroe (Maya Rudolph), antes a chefe do conselho da cidade, é agora a rainha malvada, seu filho, Tyson (Kolton Stewart), é o príncipe, Robert passa seu tempo em batalhas e enfrentando gigantes e Morgan é, na verdade, a protagonista da história.
Nessa realidade, Morgan é uma espécie de cinderela vivendo no sótão de casa, enquanto sonha com algo maior. Ela é apaixonada por Tyson – o que também acontece na “realidade real” -, e é correspondida. Mas claro que se Morgan é a protagonista, o que sobra para Giselle é o papel de madrasta, e ela nota que, aos poucos está se tornando uma madrasta malvada independentemente da sua vontade, já que isso tem a ver com o pedido que ela mesma fez de que a vida se tornasse um conto de fadas. As atitudes de Giselle vão mudando aos poucos, ela compra um vestido para Morgan ir ao baile, mas rasga ele todo, e depois prende a menina no seu quarto para que ela não possa encontrar Tyson, e faz tudo isso em uma espécie de transe.
A ideia é bem interessante, é como se o filme apresentasse uma nova protagonista quase aos 45 minutos do segundo tempo, mas é divertido acompanhar Giselle como vilã, mesmo que ela não seja assim o tempo todo e que a verdadeira vilã do filme seja Malvina. O filme também mergulha bem fundo nas tradições dos contos de fadas, que geralmente dividem suas personagens femininas entre mocinhas, princesas, fadas madrinhas, madrastas malvadas e bruxas. Giselle então, passa de princesa para a madrasta malvada, com alguns momentos de fada madrinha, já que é ela que dá o vestido a Morgan, como manda a tradição do gênero.
As músicas
Tanto Desencantada, quanto seu antecessor são filmes musicais, mas que usam a música de maneira bem diferente do que vemos em filmes do gênero. No primeiro filme, os números musicais, exagerados e grandiosos, funcionam como uma maneira de fazer piada com os clássicos da Disney, onde as princesas cantam até em momentos em que a música não caberia. Como toda a personalidade de Giselle, a cantoria, que se dá, por exemplo, no meio do Central Park, soa absurda e completamente desconectada da realidade. Os números musicais são quase piadas, embora sejam muito bons.
Na sequência também começa assim: Giselle vive no mundo real, mas ela é, por natureza, uma princesa de contos de fadas, então ela canta do nada e nos lugares mais esdrúxulos, um desses momentos se dá no meio da reforma da nova casa da família, outro no primeiro dia de aula de Morgan, e claro, a piada do primeiro filme se repete, todos que não conhecem Giselle acham aquilo estranhíssimo e os que a conhecem ficam um pouco envergonhados.
Mas o filme muda de tom com o tempo, o que tem uma certa lógica, a partir do momento que Monroeville vira Monrolasia e estamos completamente imersos em um conto de fadas, faz sentido que todos cantem, e de fato, quase todo mundo tem um número musical. O que atrapalha essa ideia, no entanto, é o fato de que as músicas não são tão boas e nem os números musicais são especialmente criativos, eles não se comparam aos do primeiro filme. Tirando a música das vilãs – Badder -, cantada por Adams e Rudolph, o resto não empolga muito.
Aspectos técnicos de Desencantada
Fazia anos que os fãs pediam uma continuação de Encantada, isso porque o primeiro filme realmente funciona e é uma bela sacada da Disney, uma espécie de modernização, com sátira, dos filmes que eles mesmos fizeram e tornaram famosos antes. No entanto, uma continuação quebraria, invariavelmente, a ideia de final feliz, mesmo que realista, que o primeiro filme deixou, seria necessário revisitar esses personagens e ver se eles estão mesmo vivendo felizes.
Desencantada parte desse princípio e chega à conclusão que, apesar de Giselle ser uma princesa e ter encontrado seu “príncipe”, ela vive no mundo real e sua vida não é perfeita. Essa é uma ideia que a Disney já usou outras vezes, e se saiu até melhor, como em Fada Madrinha, outro filme que traz uma personagem de contos de fadas para o mundo real.
Desencantada toma o caminho inverso do primeiro filme: se em Encantada, Giselle saiu do conto de fadas e decidiu ficar na realidade, aqui ela quer sair da realidade e voltar para o conto de fadas, mas claro que problemas surgem no caminho. A produção tem boas ideias e é legal a maneira com que o filme se apropria dos conceitos básicos e até clichês dos contos de fadas, mas ele não é tão charmoso quanto o primeiro. O filme não é terrível e diverte, mas um pouco da magia se perdeu.
Mas é claro que é preciso destacar o quão talentoso é o elenco, de uma maneira geral. James Marsden e Idina Menzel fazem poucas aparições e parecem mais uma espécie de bônus para os fãs do filme antecessor, mas estão completamente dentro dos seus personagens; Maya Rudolph se sai muito bem, e Patrick Dempsey tem um bom timing para comédia. Mas claro que o grande destaque é Amy Adams, que está ótima como Giselle, ela mantém os mesmos maneirismos do filme anterior, mas sua atuação muda bastante quando ela vira a madrasta malvada e é muito convincente.
Os figurinos também são lindos e, de fato, lembram os contos de fadas, até os que são usados fora desse universo. Também existe uma mudança óbvia nas roupas de Giselle quando ela se torna a madrasta malvada, as roupas ficam mais opulentas, os decotes maiores – a própria Giselle comenta isso – e mais escuras.
Desencantada é um filme engraçado, que funciona e vai agradar os fãs do original, mas não supera o primeiro. O filme está disponível na Disney+.