Um toque na alma de Devilman Crybaby
Devilman Crybaby é mais um acerto do Netflix, que produziu a readaptação do anime bizarro e setentista do mestre Go Nagai, utilizando de uma qualidade formidável de animação, tanto em traço, quanto em técnica narrativa, amarrado em um roteiro primoroso, cheio de estilo e alma, que muito provavelmente não será superado no formato neste ano.
É importante ressaltar que essa minissérie é uma produção adulta, com violência gráfica e muito sexo, o que a princípio, pode parecer gratuito, mas definitivamente não é. Utilizando o fantástico e o terror para abordar temas relevantes e em constante pauta atual, Devilman: Crybaby acerta em todos os alvos em que mira, ao trazer alma ao contexto, fornecendo fundamento a cada escolha de cena ou resolução do enredo, que não perdoa ninguém, em uma trama trágica e espetacular visualmente. O design de personagens também é incrível, indo da união feroz que forma Akira/Amon, até um Lúcifer hermafrodita, de criaturas perturbadoramente bizarras (que homenageiam várias culturas e crenças e até mesmo a literatura, indo de Lovecraft a Bíblia, caminhando por outras figurações conhecidas em rápidos easter-eggs), passando pelos humanos mestiços com naturalidade, à medida que traz humanidade, mesmo em meio a toda demonologia.
Os demais episódios mostram mais ao que veio e recompensam ao discutir a condição humana em meio a dificuldades, demonstrando como a fraqueza da mente humana pode superar até a força física através de vícios e outros mecanismos de escape para lidar com perda, pobreza e abandono, sempre colocando todas as figuras num contexto global e multiétnico, algo um pouco incomum em produções japonesas.
Ainda que num primeiro momento os traços pareçam amadores e com personagens desproporcionais, é importante sacar que o visual faz parte do estilo rápido, fluído e viajado que marca as obras de Masaaki Yuasa, carregado de cores vibrantes e lutas frenéticas que dão vida à ação, mantendo a qualidade consistente até os momentos finais, embalados por uma trilha sonora que emula o clima noventista, cheia de sintetizadores e baterias eletrônicas, na condução de Kensuke Ushio. Os três últimos episódios são fortes e formidáveis, carregados de emoções sinceras e pesadas, ao mesmo tempo entregando um espetáculo visual muito acima da média do que qualquer produção atual.
Os personagens são cativantes e evoluem além das metáforas propostas. Akira Fudo é alguém que te conquista, alguém por quem você torce, e mesmo que sendo um homem-demônio, é mais humano do que a maioria dos protagonistas de shonen ou seinen por aí. Mas vá sem preconceito. Mesmo que você não “curta animes”, este anime está acima disso, se colocando desde já e facilmente ao lado de produções como Akira e Princesa Mononoke, em uma obra singular, primorosa e para todas as culturas.
Mas se prepare, você não será poupado diante do espetáculo de animação, roteiro e sentimentos. Devilman: Crybaby é um soco no estômago, mas é marcante, importante e veio pra ficar. Sensacional.
Avaliação
Um retrato extremamente fiel da sociedade contemporânea, se classifica desde já como uma animação clássica, que ainda será comentada daqui algumas décadas, nesta obra-prima moderna.