Hamilton – cantando o hype no Disney Plus

Quando Hamilton estreou nos teatros, em 2015, ele foi um estrondoso sucesso. Ganhador de 11 Tony Awards (o maior prêmio do teatro, uma espécie de Troféu Imprensa da Broadway) e cujo álbum musical foi considerado o melhor do ano pela Atlantic, o hype em cima da peça só cresceu.

As sessões esgotaram noite após noite, e o preço dos ingressos subiu como se fosse o bitcoin. Em outubro de 2017, o valor médio de recompra de ingresso era de mil doletas.

É claro que o mercado de entretenimento cresceu o olho pra cima desse sucesso todo aí. A Disney comprou os direitos da peça e anunciou o lançamento no seu serviço de streaming, o Disney+. Ao contrário do que seria o óbvio, de adaptar para um formato de filme, ela tomou uma decisão um tanto quanto surpreendente e, por que não dizer, arriscada: Hamilton chegou nos lares de todas as pessoas como a peça de teatro original. Ousadia e alegria. Dificilmente poderia ter dado mais certo.

Hamilton
Daveed Diggs, Okieriete Onaodowan, Anthony Ramos, e Lin-Manuel Miranda

What’s your name, man?

Não, não é a história do piloto Lewis Hamilton, ele não tem nada a ver com isso. É de Alexander Hamilton, o primeiro secretário do tesouro americano, figura importante na guerra de independência dos Estados Unidos e cuja fuça até hoje estampa a nota de 10 dólares.

Ele não era uma figura tão conhecida assim – nunca chegou à presidência americana e sua atuação foi mais política mesmo: escrevendo ensaios que defendiam a Constituição e criando o primeiro banco dos Estados Unidos. Outro aspecto curioso da vida de Hamilton (não acho que é spoiler, afinal é um fato histórico, e é cantado na PRIMEIRA música da peça, então você já começa sabendo – mas dá pra pular este parágrafo se você preferir) é o fato dele ter morrido em um duelo com Aaron Burr, vice-presidente dos Estados Unidos. Com certeza nossa política seria bem mais interessante se tivéssemos Bolsonaro e Dória duelando ao vivo na Rede Globo.

Traduzindo a experiência de Hamilton para o americano médio no cenário brasileiro: seria o equivalente a fazer um musical sobre o Senador Vergueiro – e já vou agora mesmo começar a compor a música de abertura, é uma ideia que não tem como dar errado.

Mas, afinal… Como um tema tão chato consegue virar uma peça tão popular?

Hamilton
Jonathan Groff é o Rei George

I’m not gonna throw away my shot

O gênio por trás dessa obra é Lin-Manuel Miranda.
Lin levou seis anos para escrever Hamilton. Ele ficou fascinado quando leu uma biografia do político durante as férias e começou a trabalhar em músicas para os eventos marcantes da vida do cara. Cada vírgula de cada música da peça foi escrita por Miranda. Só “My Shot”, segunda música da história e cujo refrão segue o protagonista por toda a vida, levou dois anos para ser escrita. A ideia inicial era fazer um álbum de rap sobre o político – foi inclusive o que Lin disse quando apresentou uma das músicas na Casa Branca, cinco anos antes da peça estrear (link aqui e vale a pena clicar).

Como ele já tinha tido um certo sucesso com um outro musical (“In the heights”, que está virando um filme), ele seguiu por esse caminho. E estourou. Hamilton é diferente de todos os musicais: não há aqueles instrumentos de sopro épicos e há uma influência enorme de rap e hip hop. E tudo isso em uma história de época, uma combinação que não deveria fazer sentido nenhum, mas funciona.

Aaron Burr, Sir e as Schuyler Sisters

Lin já ganhou um Pulitzer, um Emmy, três Tonys e três Grammys e não deve demorar muito para um Oscar chegar também, uma vez que todo mundo no mercado cinematográfico tá doido pra trabalhar com o cara e este ano mesmo ele lança um filme musical para a Netflix. Entre outras canções de sucesso compostas por Lin, estão as da trilha sonora do filme Moana – e, depois de ver Hamilton, é impossível não ver a assinatura dele em algumas canções (como em “You’re welcome”).

Sendo ele também membro do elenco principal da peça, interpretando o protagonista, Lin-Manuel Miranda também foi alçado ao estrelato. Uma figura extremamente simpática, tanto que até mesmo o vídeo de seu casamento virou sucesso no YouTube e elevou o nível de todos os casamentos futuros aí. Qualquer coisa que dê aos aficionados pela peça um pouco mais de conteúdo para degustar…

Hamilton e Eliza

I will never be satisfied

How does a bastard, orphan, son of a whore and a Scotsman…
Quando o personagem de Aaron Burr canta o primeiro verso da música de abertura, ele está introduzindo o incauto telespectador em um submundo de fãs obcecados. O mundo de Hamilton não acaba quando a gigantesca peça, de quase 3 horas de duração, termina.

Depois da obra propriamente assistida e reassistida, o álbum vai parar nos favoritos de seu Spotify, onde ele há de permanecer por anos. Mas não é o bastante. O fã de Hamilton passa 80% do tempo falando sobre Hamilton e nos outros 20% torce pra que alguém fale sobre o tema para poder falar mais.

Daveed Diggs faz papel de Lafayette e também de Thomas Jefferson

Surpreende a vasta extensão desse submundo, dado o fato que a princípio pareça um musical extremamente minimalista (para os padrões Broadway). Há um único cenário, alguns figurinos básicos e as coreografias se baseiam em banquinhos sendo atirados pra lá e pra cá. Evidentemente que tudo é muito mais profundo e não falta material desbravando toda a complexidade do musical.

Esse texto demorou meses para ser escrito porque eu simplesmente entrava em espirais infinitas de vídeos do YouTube sobre a obra: aulas de como cantar os raps mais difíceis, documentários da Netflix sobre as músicas, vídeos do Adam Savage sobre os objetos de cena, o desenvolvimento de microfones e a complexa edição de som. E é claro: assistir o filme em loop, como se fosse uma criança de 4 anos com um DVD pirata de Frozen. Os fãs do filme sabem de cor a ordem das músicas, conhecem os minúsculos erros de continuidade (afinal, foram gravadas no mínimo três apresentações para juntar para o filme final) e adoram ver o Rei George cuspindo enquanto canta.

Hamilton
E ele cospe mesmo…

Non-stop

A Disney+ não divulga números de audiência, mas empresas entendidas do assunto alegam que Hamilton é o produto de maior sucesso do serviço de streaming – mais até do que a série do nosso baby Yoda favorito.

Os outros serviços precisaram se mover pra correr atrás da nova tendência: a Netflix não só vai ter um filme musical dirigido pelo Lin-Manuel Miranda (como já foi dito e vou repetir mesmo porque eu já tô ansioso por isso) como também comprou os direitos de exibição de um musical da Broadway – tal como Hamilton, eles não vão fazer uma adaptação, mas exibir a obra na íntegra, como ela seria exibida no teatro.

Hamilton
Chris Jackson é George Washington

Infelizmente, teve algum problema no mundo (um vírus mortal ou algo do tipo, não prestei atenção) que fechou todos os teatros da Terra duas semanas antes da estreia do musical. A Netflix não quer perder tempo e vai estrear a peça de teatro no serviço de streaming. A propósito, a obra é “Diana: a true musical story”, e a Netflix precisa urgentemente trabalhar nessa obsessão com a família real britânica.

Mas quem sou eu pra reclamar da obsessão alheia, agora que eu tenho minha própria obsessão com Lin-Manuel Miranda e fico aqui contando os dias para a estreia de “In the heights”, que também foi adiado por um ano por causa da pandemia…

In the Heights tem previsão de estreia para agosto de 2021 no Brasil.
https://www.youtube.com/watch?v=U0CL-ZSuCrQ

Hamilton está disponível no Disney+. Nem preciso dizer a nota.

Hamilton

Nome Original: Hamilton
Direção: Thomas Kail
Elenco: Lin-Manuel Miranda, Phillipa Soo, Leslie Odom Jr., Daveed Diggs, Renée Elise Goldsberry, Jonathan Groff, Anthony Ramos
Gênero: Biografia, Drama, História, Musical
Produtora: Walt Disney Pictures
Distribuidora: Disney+
Ano de Lançamento: 2020
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