Inventando Anna

Vivian Kent (Anna Chlumsky) é uma repórter que precisa provar seu valor depois de um escândalo jornalístico que quase destruiu sua carreira. Um dia ela esbarra com a história de Anna Delvey (Julia Garner), uma falsa herdeira alemã que acabou de ser presa, acusada de dar uma série de golpes em seus amigos.

A jornalista procura Anna na cadeia, ao mesmo tempo que começa a investigar a vida que ela levava em Nova York, e tenta desvendar o mistério que é Anna Delvey.

Inventando Anna é uma minissérie inspirada no artigo How Anna Delvey Tricked New York’s Party People, de Jessica Pressler, que relata o caso real de Anna Sorokin.

O caso de Anna Sorokin

Anna Sorokin nasceu no dia 23 de janeiro de 1991, em Domodedovo, na Rússia. Na adolescência, ela foi viver com seu pai na Alemanha, mas teve dificuldades de fazer amizades e de aprender alemão. Em 2010, quando se formou no ensino médio, ela se mudou para Londres, onde pretendia estudar artes, mas logo largou a faculdade e voltou para a Alemanha. Mais tarde, ela arrumou um estágio na revista francesa Purple e se mudou para Paris. Depois de umas férias em Nova York em 2013, ela resolveu ficar.

Anna mudou seu sobrenome de Sorokin para Delvey quando ainda vivia em Paris, mas manteve a farsa depois que mudou para Nova York. Lá ela começou a dizer que era uma herdeira alemã, a profissão de seu pai sempre mudava, mas Anna insistia que tinha dinheiro para bancar sua vida de luxo, ela ficou conhecida por se hospedar em hotéis caros e frequentar os melhores restaurantes da cidade. Mas Anna tinha uma maneira de fazer seus amigos pagarem pelo que ela consumia: ela convidava uma série de pessoas para viajar ou jantar com ela, e quando o seu cartão era recusado ela os convencia de que seu dinheiro estava preso na Europa, mas que logo ela poderia pagá-los. Os amigos pagavam as contas e, mais tarde, precisavam cobrar Anna, que sempre tinha outras desculpas.

Em 2017, Anna foi presa, acusada de enganar empresários de Nova York e de não pagar contas de hotéis. O seu julgamento, no entanto, só começou no dia 18 de dezembro de 2018, e ela foi considerada culpada nas acusações de furto de propriedade, roubo de serviços e uma tentativa de furto qualificado, e Anna recebeu a sentença de quatro a doze anos de prisão, uma multa de US$ 24.000 e foi condenada a pagar uma restituição de cerca de US$ 199.000. Anna também seria deportada depois que sua pena acabasse.

Anna recebeu liberdade condicional em fevereiro de 2021 por bom comportamento, mas em março do mesmo ano, ela foi presa de novo, dessa vez pela imigração, já que ela estava com o visto americano vencido. Ela pagou a fiança e atualmente está em prisão domiciliar em Manhattan e fez um acordo para sair de todas as redes sociais.

Anna de vários pontos de vista

Inventando Anna não começa sendo narrada do ponto de vista de Anna, a ideia é que a plateia descubra quem é a golpista junto com Vivian Kent, a jornalista que está investigando a vida de Anna. A série, inclusive, mergulha a fundo na vida de Vivian e descobrimos que ela está grávida, mas ainda assim, completamente focada no trabalho, Vivian quer se provar e provar para os outros que é uma boa jornalista, e sente que o caso de Anna Delvey dará uma boa matéria.

Contrariando a opinião de todos no jornal, Vivian vai atrás de Anna na prisão, e embora a golpista a receba, ela não aceita conversar e nem dar entrevistas, ao contrário disso, ela pede para que Vivian lhe arrume lingeries. Na falta da palavra de Anna, Vivian vai atrás dos amigos dela, muitos daqueles que foram enganados por Anna, e a minissérie passeia por essas histórias, indo e voltando no tempo para explicar quem é a falsa herdeira.

Vivian sai à procura de Chase (Saamer Usmani), um ex-namorado de Anna, mas não tem muito sucesso, ela, no entanto, chega a Nora Radford (Kate Burton), uma mulher que hospedou Anna e Chase e de quem Anna roubou dinheiro para comprar roupas de grife. Mais tarde, ela chega ao trio de amigas mais próximas de Anna, Neff (Alexis Floyd), que ainda defende a amiga com unhas e dentes, Kacy Duke (Laverne Cox), a personal trainer de Anna, e Rachel Williams (Katie Lowes), que recentemente assinou um contrato com uma editora para escrever um livro sobre Anna. Cada pessoa conta sua própria experiência com Anna, e a plateia acompanha isso através de flashbacks, e é a partir desses relatos que a imagem de Anna vai se formando.

Ninguém é inocente

Embora a série retrate Anna como uma mulher pernóstica, com a qual é difícil conviver e que encarna a personagem da herdeira mimada perfeitamente, ela também tenta retratar um lado mais humano da golpista, que aparece muito raramente. Boa parte disso se dá pelo advogado de Anna, Todd (Arian Moayed), que claro, também sabe que ela é culpada, mas precisa vender uma pretensa inocência, mas Vivian também acaba ficando próxima de Anna e aceita até ir fazer compras para ela durante o julgamento. A própria Anna parece um pouco abalada ao ouvir o depoimento de sua ex-amiga, Rachel.

Além disso, o roteiro também dá a entender que apesar dos amigos de Anna terem se dado mal, eles não eram amigos verdadeiros e se mantinham do lado de Anna apenas por ela ser, suspostamente, uma herdeira. Neff, a única que ainda defende Anna, fala várias vezes que Anna comprou roupas, pagou viagens e restaurantes para Rachel, mas ainda assim, Rachel não foi visitar a amiga nenhuma vez na prisão. No julgamento, Todd mostra que Rachel está ganhando muito com a sua história, já que àquela altura ela não só publicou um artigo, como também está prestes a publicar um livro e já vendeu seu trabalho para a televisão.

Como o mundo em que Anna e os outros personagens vivem é um mundo fútil, onde tudo que importa é aparência, é natural constatar que os tais amigos de Anna não estão tão interessados assim na companhia ou na personalidade de Anna, mas sim no que Anna pode proporcionar a eles. E é justamente por esse universo se basear quase que unicamente na aparência, que a história de Anna cola, já que ela se veste, se porta e se comporta como uma herdeira.

Aspectos técnicos de Inventando Anna

Inventando Anna é mais uma série que vem na onda de outras atrações inspiradas em crimes reais, ela é, especificamente, parecida com The Dropout, que também retrata uma jovem mulher golpista, ainda que os golpes sejam bem diferentes e que a segunda série seja um pouco mais interessante. A ideia é retratar os acontecimentos reais, mas naturalmente alguns nomes foram mudados e alguns fatos adaptados para caberem dentro da trama, mas ainda assim, Inventando Anna faz um bom trabalho.

Diferentemente de The Dropout, onde a protagonista é Elizabeth Holmes, Inventando Anna dá mais protagonismo a Vivian, a jornalista que está investigando Anna. Aqui acompanhamos Anna do ponto de vista de outras pessoas e não da própria Anna. A golpista é, de fato, uma pessoa fascinante, por isso é fácil compreender a obsessão de Vivian por ela, e mais fácil ainda entender a atração que ela exercia sobre seus amigos.

A série se segura no seu bom elenco e principalmente nas duas personagens principais, interpretadas por Anna Chlumsky e Julia Garner, que não é muito parecida fisicamente com Anna Sorokin, mas está muito bem caracterizada. Outros atores também se saem bem e complementam as atuações das duas protagonistas, como Arian Moayed e Caitlin Fitzgerald.

Sem dúvida nenhuma a história de Anna Sorokin é muito interessante e faz a audiência se questionar sobre como ela aconteceu, e a produção começa muito bem e prende a atenção da audiência nos primeiros episódios, mas vai se tornando um pouco lenta com o tempo, ganhando um fôlego maior nos episódios finais, quando descobrimos quase todos os segredos da biografada, mas existe uma barriga no meio da minissérie que desanima um pouco o público.

Inventando Anna tem uma grande trama na sua mão e escolhe uma forma interessante de narrá-la, mas talvez por colocar poucas luzes sobre os pensamentos e o ponto de vista de Anna, ela soe mais como uma especulação do que uma história real, embora os fatos narrados aqui sejam reais, pelo menos em sua maioria.