Marte Um
Desastres e sonhos
Logo depois das eleições de 2018, a família Martins, uma família negra de classe média baixa, tenta tocar para frente seus sonhos em um país que já não parece o mesmo. Enquanto o pai, Wellington (Carlos Francisco), luta para se manter sóbrio, a mãe, Tércia (Rejane Faria), lida com seus medos internos e os filhos, Eunice (Camilla Damião) e Deivid (Cícero Lucas), saem em busca de seus sonhos e de suas próprias vidas.
A família
Marte Um tem como protagonista a família Martins, composta por quatro membros: Wellington, Tércia, Eunice e Deivid e o longa acompanha a vida desses quatro personagens com a mesma dedicação para todos eles. Como um conjunto, eles são uma família negra, de classe média baixa, que lida com várias dificuldades e que, depois da eleição, lida com a ascensão ao poder de um presidente de extrema direita, que não combina com o que a família é, mas cada um deles têm suas próprias questões.
Wellington é um ex-alcoólatra que luta diariamente para não se render ao vício. Ele trabalha como porteiro em um prédio de classe média e é apaixonado por futebol, seu sonho é que o filho, Deivid, se torne um jogador. Já Tércia testemunha uma pegadinha para a televisão enquanto está em uma lanchonete e sua vida muda completamente: ela passa a ter insônia, fica ansiosa, apavorada, teme por tudo e acredita que está amaldiçoada e que está trazendo o mal para a família.
Eunice, a filha mais velha, cursa direito e, depois que se apaixona por Joana (Ana Hiláro), passa a sonhar em sair de casa e ir morar com a namorada. Ela acha que os pais não vão aceitar nem seu relacionamento, nem sua partida. Já Deivid, o filho mais novo, treina futebol e se dá bem no esporte, mas seu sonho é ser astrofísico. Ele também tem medo de contar isso ao pai que quer que o filho se dedique ao futebol.
Realidade e fantasia
Marte Um se calca em um mundo que é extremamente realista, sabemos que o filme se passa logo depois das eleições de 2018, no Brasil, e o filme inclusive cita os nomes dos candidatos que concorrem naquele ano. Para além disso, a preocupação que a família vive é real, eles se preocupam com o racismo constante, com a vida difícil e com o medo de faltar algo dentro de casa. Eunice, que não é heterossexual, se preocupa com a homofobia, dentro e fora de casa, e Deivid, que ainda é criança, sonha em viajar para Marte para colonizar o planeta vermelho, mas sonha sempre com os pés no chão, porque vê a realidade.
A série de pequenos acontecimentos que atingem a família e que vão do desagradável até o terrível, começam depois da eleição e são acontecimentos reais, que de uma certa maneira conversam com a realidade que o Brasil viveu, com a pandemia por exemplo, mas o filme também aposta em uma trama um pouco menos realista.
Todos os integrantes da família Martins esperam dias melhores, mas estão muito presos à realidade. Deivid, que ainda é uma criança, sonha mais alto, ele quer ser astrofísico e quer ir para Marte colonizar o planeta, em uma missão chamada Marte Um – que de fato existiu -, o que, claro, parece surreal para boa parte das pessoas, e mais ainda para um menino negro de classe média baixa, vivendo no Brasil. O filme, no entanto, não desmerece os sonhos de Deivid, e faz a audiência e o personagem terem a sensação de que tudo que ele quer pode mesmo acontecer.
Aspectos técnicos de Marte Um
O filme é relativamente simples, mas tem um roteiro bem pensado. Os cenários são poucos, e se usa demais a cidade como parte de sua trama. Os personagens se movimentam muito e o telespectador acompanha a vida dessas quatro pessoas, que têm medos e esperanças coletivas, mas também sonhos e receios individuais. Existe uma contextualização da trama, que é completamente calcada no real, e nos acontecimentos dos últimos anos do Brasil, o que é interessante, já que poucos filmes ficcionais trabalham com esses últimos quatro anos, pelo menos por enquanto.
O longa também traz à tona outras questões, como por exemplo, o racismo, que não é explícito, mas está presente, afinal falamos de uma família negra; a homofobia, o machismo, que está presente na organização da casa dos Martins; e o conservadorismo, presente em alguns dos comentários e ações do patriarca da família.
Mas de uma maneira geral, Marte Um segue o dia a dia dessa família, que é comum, como qualquer outra família brasileira, mas que tem suas questões. Como o filme é muito bem armado e se atém até aos pequenos detalhes e de uma certa forma, consegue fazer um bom retrato do Brasil atual, é um pouco decepcionante que a trama seja um pouco cotidiana demais, ainda que o longa diga muito nas entrelinhas.
O filme conta com um bom elenco, os integrantes da família se saem muito bem e interagem muito bem entre si, a sensação que a audiência tem é que estamos, de fato, acompanhando uma família.
Marte Um não é de maneira nenhuma um filme ruim, ele tem um roteiro muito bem pensado e prende a atenção do telespectador, mas ele deixa uma sensação frustrante de que faltou alguma coisa para que o longa se tornasse uma obra prima. O filme chega aos cinemas no dia 25 de agosto.