Mato Seco em Chamas
Entre a ficção e a realidade
Na favela de Sol Nascente, na Ceilândia, Chitara (Joana Darc) tenta fidelizar sua clientela vendendo gasolina de seu poço particular e conta com a ajuda de sua irmã, Léa (Léa Alves).
Mas quando o Brasil se torna um país conservador, a vida das duas irmãs toma tons mais políticos e elas fundam o Partido do Povo Preso e saem em campanha.
Ficção ou documentário?
Mato Seco em Chamas é um filme curioso, que transita entre a ficção e a realidade e que muitas vezes, confunde o telespectador. Quando o filme começa ele tem aspectos muito claros de uma ficção, mas a segunda cena mostra Léa contando sua vida direto para a câmera, como acontece em documentários mais tradicionais, e parece que ela está realmente falando sobre a realidade. Além disso, o longa cita pessoas e situações da vida real, como por exemplo quando filma uma manifestação a favor do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Até aí, Mato Seco em Chamas poderia se encaixar em uma série de subgêneros, como um filme ficcional que tem elementos da realidade, ou um falso doc, que retrata personagens fictícios, mas é filmado em uma linguagem de documentário. O filme, no entanto, não é nada disso.
Mato Seco em Chamas é uma mistura de documentário e ficção, e isso fica mais claro ao longo do filme. Ele de fato retrata situações e eventos reais, e faz uma espécie de análise do Brasil nos últimos seis anos, mas também recria em cima de histórias reais. Léa, que é interpretada por si mesma, parece contar parte de sua história verdadeira, ainda que alguns elementos sejam adaptados para caberem melhor na trama, enquanto Chitara, que é interpretada por Joana Darc, já soa muito mais como uma personagem ficcional.
A ideia é se desligar dessas questões e entender o filme como uma denúncia da realidade, ao mesmo tempo em que apresenta algumas tramas ficcionais.
O retrato do Brasil
Mato Seco em Chamas tem como intenção fazer um retrato do Brasil, mais especificamente o Brasil mais recente, que boa parte da audiência, acompanhou ao vivo, a cores e com horror, mas o longa não faz só isso.
A trama do filme se passa antes das eleições de 2018, já que acompanhamos um evento onde os participantes clamam para que Bolsonaro se torne presidente do Brasil, mas ele claro, faz um recorte do que narra. O que é apresentado aqui é a história das irmãs Léa e Chitara, ex-presidiárias que buscam sobreviver. Chitara é uma grande gasolineira da Ceilândia e seu negócio vai de vento em popa, o que permite que Léa trabalhe com ela.
Quando elas notam que o Brasil segue, em velocidade, para um governo de extrema-direita, as irmãs fundam o Partido do Povo Preso, que claro, visa governar para a população carcerária. O longa acompanha bastante da campanha de Chitara – que é quem está concorrendo -, mas esses momentos já têm um tom bem mais ficcional, e quase distópico. É interessante, por outro lado, assistir a esse Brasil que soa fantasioso, mas que é, em muitos aspectos, realista.
Aspectos técnicos de Mato Seco em Chamas
O grande diferencial de Mato Seco em Chamas é o fato dele ser um filme híbrido, que mistura ficção e não-ficção, e que trabalha com o tom documental e com o tom ficcional. A ideia é bem interessante, mas no começo o longa é um pouco confuso, é difícil entender qual exatamente é a proposta, a partir do momento que se está disposto a mergulhar na trama e esquecer essas questões de gêneros e subgêneros, o filme se torna bem mais instigante.
Ainda que o filme use de não atores, que muitas vezes, contam suas próprias histórias de vida com pequenas alterações, tudo soa muito natural. Tanto a parte ficcional, que é bem atuada, quanto a parte documental, que tem um tom realista.
O filme tem também uma fotografia escura, que se mistura com os cenários, quase sem luz nenhuma e com muitos tons de areia, quase como se acompanhássemos um deserto, o que aumenta esse tom distópico, talvez não intencional. Mas o roteiro é inteligente a ponto de conseguir refletir o país dentro dessa trama que muitas vezes soa fantasiosa, ainda que calcada na realidade.
Léa Alves, ótima no papel, e Joana Darc, se saem muito bem e são um dos pontos altos do filme. Mas Mato Seco em Chamas é um pouco lento, isso porque demora para que alguma coisa aconteça no filme, o longa tem 2h 33min e a movimentação da trama só se dá na metade do filme.
Mato Seco em Chamas é, ao mesmo tempo, uma trama que soa distópica e até surreal, e um retrato realista do Brasil nos últimos anos, sua forma deixa isso claro conforme assistimos ao filme. O longa estreia no dia 23 de fevereiro.