Medusa
O terror do extremismo
Mariana (Mari Oliveira) vive em uma sociedade ultraconservadora que baseia seus valores na bíblia e na religião. Ela e as amigas, lideradas por Michele (Lara Tremouroux), fazem parte de um grupo que se autodenomina As Preciosas, que canta na igreja. Mas além disso, as meninas saem à noite atacando mulheres que não seguem os ideais do grupo.
Quando Mariana é atacada por uma dessas vítimas e fica com uma cicatriz no rosto, ela começa a repensar sua vida, e resolve que vai procurar Melissa (Bruna Linzmeyer), uma jovem atriz que foi queimada por não se encaixar na sociedade e que, segundo as lendas locais, vive reclusa.
A procura por Melissa, vai fazer Mariana mudar seus pensamentos.
Distopia, mas nem tanto
À primeira vista, Medusa parece ser uma espécie de filme distópico que acompanha um mundo onde a religião dita as regras e leis do Brasil, isso porque inicialmente só conhecemos pessoas extremamente religiosas e muito conservadoras que participam de cultos e justificam todas as suas atitudes pelo o que está escrito na bíblia. Isso não é bem o que acontece no filme: o Brasil de Medusa não foi totalmente tomado por uma religião extrema, mas ela é grande o suficiente para que boa parte do país se comporte assim. Mas existem personagens que não fazem parte da religião, e que são chamados de “pessoas do mundo”, como por exemplo, as mulheres perseguidas pelas Preciosas.
Segundo a diretora, Anita Rocha da Silveira, o roteiro de Medusa começou a ser escrito em 2015, quando ela começou a visualizar uma ascenção da extrema direita fascista no país. Nessa época, Medusa seria sim, uma distopia. Como atualmente o filme parece falar com acontecimentos reais do Brasil, a diretora vê o filme se passando em uma realidade alternativa.
Uma vez que a ideia por trás de Medusa é falar sobre questões problemáticas que se manifestam na realidade usando de elementos fantásticos e do terror, o longa é uma espécie de terror social, que investiga não só igrejas evangélicas que pregam o ódio e que desejam legislar no Brasil, mas também um grupo de pessoas ultraconservadoras, certas de que seus pontos de vista são corretos e dispostas a partir para a violência para prová-los.
A mudança de Mariana
A protagonista de Medusa é Mariana, uma jovem que faz parte das Preciosas, e que, portanto, já começa o filme como uma espécie de vilã. O grupo é composto por moças jovens que acabaram de sair da adolescência e que se preocupam com questões como namorados, maquiagem, roupas e vídeos do Youtube – Michele, a líder das Preciosas, é uma influencer religiosa -, mas que durante a noite perseguem outras mulheres que não se encaixam no que elas acreditam ser o certo. Mariana, no entanto, começa a ver a vida de maneira diferente quando tem seu rosto ferido, o que muda completamente a maneira com que ela se vê e com que as outras pessoas a veem.
Ao mesmo tempo, somos apresentados à história de Melissa, que é uma espécie de lenda urbana do local. Melissa era uma atriz, considerada ousada e livre demais, que foi queimada por outra mulher e que ficou deformada, e hoje vive isolada em algum lugar. As tramas de Melissa e de Mariana se unem pelos seus machucados, e Mariana resolve que vai encontrar Melissa a todo custo.
Medusa é um filme extremamente político, que dialoga com a situação do Brasil, mas ele também é um longa de descoberta e de mudança de sua protagonista, que quando sai de sua comunidade, onde todo mundo é treinado a pensar igual, vê outros pensamentos e outras formas de vida, e assim, começa a questionar a maneira com que ela própria vive. O pensamento acaba, por fim, contagiando outras personagens.
Aspectos técnicos de Medusa
O filme tem um roteiro bem perspicaz que ao mesmo tempo em que apresenta um universo quase fantástico e que nem parece ser desse mundo, nos entrega uma analogia política. Em Medusa, a igreja evangélica é muito influente no Brasil e tenta legislar o país de acordo com o que eles acreditam, e o resultado é um mundo muito conservador, onde o patriarcado é senhor e onde a rivalidade feminina é o dia-a-dia. As Preciosas, que são jovens mulheres tão subjugadas dentro desse universo terrível, usam da violência para extirpar não outras mulheres, mas sim sua raiva e sua inveja de não poderem ser como querem ser. Esse é o verdadeiro terror de Medusa.
Mas o filme também tem muito humor, que aparece na maneira com que os personagens são exagerados, quase um pastiche, e alguns números musicais, que quebram o clima de terror. O terror não é gratuito, e nem é especialmente violento, ainda que tenhamos alguns sustos, o horror aqui se dá pela situação que assistimos e que parece, infelizmente, bem próxima.
Anita Rocha da Silveira cita como inspirações visuais filmes como Suspiria e Carrie, a Estranha, e diz que a grande referência por trás de Medusa são os filmes de terror da década de 1970 e alguns giallos italianos. Medusa tem muitos tons neons, parece que o filme todo se passa em uma discoteca, o que é estranho e atraente ao mesmo tempo. Até os cultos são registrados nessas lentes: tudo é colorido, cheio de música e muito atrativo.
O que também merece destaque são as atuações, especialmente de Mari Oliveira e Lara Tremouroux.
Medusa é um filme que recorre ao fantasioso e ao terror, mas que fala diretamente com o Brasil recente. O filme chega aos cinemas no dia 16 de março.