Mogli: Entre Dois Mundos, de Andy Serkis

Mogli: Entre Dois Mundos é a nova adaptação do conto clássico e não deve nada a anterior. Inclusive aborda outras vertentes.

O filme foi realizado no mesmo período da versão de John Favreau, que saiu em 2016 e arrecadou mais de 1 bilhão nas bilheterias mundiais. A Warner teve receio de lançar essa outra produção tão pouco depois. Então fecharam uma inteligente parceria com a Netflix (quando ganhou o codinome Entre Dois Mundos, que é bem coerente aqui). As comparações deste filme com o da Disney, porém, são inevitáveis, mas não insatisfatórias.

Mogli: Entre Dois Mundos

Andy Serkis estreia na direção. Você deve conhecê-lo pelas sensacionais atuações por captura de movimentos como Gollum, King Kong e César, em Planeta dos Macacos. Este se prova então um diretor de mão cheia. Inspirado e repleto de personalidade, não faz feio em minuto algum. Sabe explorar a mata densa da Índia, com sequências de ação de maneira inventiva. Colocando também o máximo de emoções intrinsecamente humanas em cada animal, assim facilitando a empatia com o público.

Ao mesmo tempo, sua proposta aqui se diferencia do que Favreau tão brilhantemente executou junto da Disney, com uma abordagem mais realista e por isso, mais adulta e também mais sombria, com sangue e morte. Da maneira que a selva é. Deixe seus filhos com a versão da Casa do Mickey, que é mais família. Não há vitória na caça, não há deslumbre nas mortes apresentadas, as coisas são apenas como devem ser num ambiente natural, da lei do mais forte.

O Livro da Selva, de  Rudyard Kipling

O enredo é semelhante, claro. Porém, o roteiro de Callie Kloves se aproxima muito mais do original de Kipling, o que fornece uma outra visão do tema. Enquanto a versão da Disney busca fornecer um entretenimento fabulesco com inspirações no conto clássico, Mogli: Entre Dois Mundos adapta mais fielmente a história de maneira nua e crua.

Mantendo a cobra Kaa e os elefantes como entidades míticas; Balu (o próprio Serkis, perfeito na performance) um tipo de professor sensato e glutão; enquanto Bagheraa assume-se o verdadeiro coração da trama, dado seu elo com o Menino-Lobo. Os demais da alcateia funcionam apenas perifericamente (sem tirar a importância de Akela). E a versão de Shere Khan é tão ameaçadora quanto a outra. Com isso, o elenco deste longa é também bastante estelar, com inspiradas dublagens de Benedict Cumberbatch, Christian Bale, Cate Blanchett e Naomie Harris. Mas, diferentemente, aqui só temos um negro no elenco.

Curioso notar, porém, que o uso de CGi em Mogli: Entre dois Mundos não deve em nada a concorrência. Mas as opções estéticas são bem distintas. A começar que parece existir um tipo de emulação com bonecos reais, pois muitas vezes os animais (que também se comportam como antropomórficos em poucas cenas) tem uma aparência de pelagem mais plástica, mas mais suja, menos fotorrealista, mais expressiva, mas menos marcante. Encontrando um equilíbrio curioso e satisfatório (com exceção de quando eles usam as patas para pegar ou lutar, o que soa estranho nessa proposta de linguagem corporal).

Entre Dois Mundos

O filme se alonga um pouco mais do que devia, porém narra todo o conto como ele deve ser. Justifica o subtítulo ao colocar seu protagonista num dilema de identidade bastante interessante e importante para sua jornada. Mogli não é nem lobo, nem humano. É, ao mesmo tempo, nada e ambos, como Kaa diz mais de uma vez. E essa ideia abstrata faz sentido, afinal, o Menino-Lobo pode ser a chave para a paz na selva e na tumultuada relação que Shere Khan e o Caçador criam entre animais e humanos. Serkis sabe explorar isso com muita paixão, se distanciando bastante da versão da Disney (e portanto tornando ambos os longas necessários de se assistir, como produtos distintos, mas complementares).

Mogli: Entre Dois Mundos é mais cruel, mais triste e realista. Além disso, é mais fiel ao conto clássico, fornecendo uma história que novamente valoriza o original, provando para o mundo que olhares diferentes de uma mesma história muitas vezes fazem bem quando realizados com amor. E disso Kipling jamais poderá reclamar de seu túmulo. Praticamente todas as adaptações do Livro da Selva foram exemplares. Como esta, certamente, o é.