Morte Morte Morte

Bee (Maria Bakalova) vai conhecer os amigos de sua nova namorada, Sophie (Amandla Stenberg), e enquanto eles passam um tempo na casa do pai de David (Pete Davidson), melhor amigo de Sophie, o grupo resolve jogar um jogo chamado Morte Morte Morte.

No jogo, um assassino sorteado precisa “matar” os outros participantes, enquanto eles andam no escuro. Caso alguém encontre um dos “mortos”, deve chamar todos, para que eles descubram quem é o assassino. No entanto, durante a brincadeira, as coisas começam a ficar mais sinistras do que pareciam inicialmente.

Um slasher para os dias de hoje

Morte Morte Morte é um filme que tem elementos muito claros do slasher, subgênero do terror onde, geralmente, grupos de jovens são perseguidos e mortos de forma violenta por um assassino mascarado que é quase sobrenatural, embora o longa não se encaixe totalmente no gênero.

O básico do slasher está presente aqui: temos um grupo de sete amigos – Bee, Sophie, David, a namorada dele, Emma (Chase Sui Wonders), Alice (Rachel Sennott), o novo namorado dela, Greg (Lee Pace) e Jordan (Myha’la Herrold), que está passando a noite em uma casa deserta e luxuosa e que, no meio da madrugada, fica sem luz, sem sinal de celular e sem qualquer chance de sair do local, enquanto um assassino persegue um por um. A diferença aqui é que o slasher, que ficou popular nos anos 1980 e 1990, é adaptado para os dias de hoje.

O longa tem como personagens a geração Z, e retrata muito dos seus hábitos, diferentemente do que acontecia nos slashers originais, que têm até um aspecto bem moralista. Nos filmes mais antigos, os jovens que usam drogas e fazem sexo morrem rapidamente e comumente quem sobrevive é a única garota virgem do grupo, mas Morte Morte Morte não se preocupa com isso, as drogas e as bebidas são o que mais tem na festa dos amigos, e todos os personagens estão envolvidos em relacionamentos sexuais.

Outro elemento que é interessante é que o filme tem personagens LGBTQIA+ e retrata relacionamentos LGBTQIA+ e, mais do que isso, os personagens parecem não definirem suas sexualidades, e muitos deles se relacionam entre si sem que o gênero seja uma barreira. O longa também tem pessoas não brancas no elenco e foge de atores muito dentro dos padrões.

Um tom de sarcasmo

Claro que este é um filme de terror, mas ele tem vários momentos de comédia e abusa bastante do sarcasmo. Quando o filme começa, parece que estamos acompanhando apenas uma reunião de jovens amigos, onde eles vão beber, usar drogas, dançar, namorar e conversar, o que deixa o filme, em certos sentidos, bem perto de uma comédia adolescente, embora o tom não seja esse.

Mas mesmo depois que a atmosfera de terror toma conta desses personagens e eles percebem que a vida está imitando o jogo, o tom de ironia permanece, a ponto de Alice responder que não acredita que o assassino seja Greg, seu namorado mais velho que nenhum dos seus amigos conhece bem, porque ele tem ascendência em libra e isso “já diz muito”. O filme, inclusive, tira sarro de seus próprios personagens, e não tem medo de mostrar que eles têm características um tanto quanto ridículas, quase como se fizesse uma paródia de toda uma geração e dos problemas e questionamentos que ela tem.

Parece absurdo, mas o tom de comédia funciona e funciona muito bem, embora a plateia entre no cinema crente que vai assistir um filme de terror e que quem conhece mais o gênero do terror até consiga imaginar que Morte Morte Morte é um slasher, o humor surge nos momentos certos e não quebra o clima tenso que toma conta desses jovens durante essa madrugada sinistra.

As relações entre eles

Em outro sentido, este é também um filme sobre as relações que se dão nesse grupo de amigos. O telespectador entra na história e, automaticamente, no grupo, pelos olhos de Bee, uma jovem imigrante da classe trabalhadora que está conhecendo os amigos de sua namorada, Sophie, uma jovem americana e rica. Os amigos de Sophie são ricos como ela e estão, naturalmente, muito mais acostumados um com os outros.

Isso porque Sophie não encontra os amigos há um tempo, o que causa um estranhamento não só com a chegada de Bee, que é tímida e está completamente deslocada, mas também com a chegada da própria Sophie, que como os amigos reclamam, “nem respondeu eles no chat” e apareceu de surpresa.

A tensão não está presente só aí: David está com ciúmes de Greg, o novo namorado de Alice, que é mais velho, mais experiente, sabe mais coisas e é descrito o tempo todo como muito bonito, e também parece estar em crise no seu próprio relacionamento com Emma. Jordan se comporta de maneira ressentida e Bee não consegue compreender, mas ela também parece ter ciúmes de Sophie e mais tarde, tenta fazer ciúmes em Sophie. Essas relações problemáticas têm reflexo no jogo e, mais tarde, na tragédia que se desenrola.

Aspectos técnicos de Morte, Morte, Morte

Morte Morte Morte é um filme bem interessante, isso porque ele parte de uma premissa bem batida e já usada à exaustão, mas ele toma rumos completamente diferentes. O longa bebe na fonte dos slashers, mas traz esses elementos para os anos 2020, não só nas mudanças de costumes que ele apresenta e no tom nada moralista, mas também na maneira com que ele se desenrola. O roteiro é quase circular e o jogo reflete a vida, ainda que alguns aspectos sejam invertidos.

Os elementos que o filme traz à tona são bem instigantes e o cenário e a maneira com que a trama é armada são de fato perfeitos para um filme de terror, mas com o tempo essa sensação se dilui, existe uma tensão que paira no ar, já que ninguém sabe quem é o assassino ou quem é a próxima vítima, mas este não é um longa especialmente assustador e está longe de ser um filme de terror tradicional, mas ele funciona.

O elenco se sai bem, eles parecem muito conectados um com o outro e é fácil acreditar que eles realmente são um grupo de amigos. Maria Bakalova e Rachel Sennott chamam a atenção. Como muito dos conflitos do longa se dão em função das relações dentro do grupo de amigos, é importante que os atores pareçam amigos e que essas tensões soem reais.

Morte Morte Morte não pode ser encaixado com facilidade nem no terror e nem na comédia, mas pelo menos, traz inovação a um gênero – e a um subgênero – que tem a tendência a usar e abusar da repetição e do clichê. O filme é um prato cheio para quem está disposto a embarcar na aventura de cabeça aberta. Morte Morte Morte chega aos cinemas no dia 6 de outubro.